Antigamente vivia-se o amor com devoção, com respeito, com entrega, com espera, com espírito de missão. O amor era um objetivo, vivido com intensidade, as pessoas aplicavam-se ferverosamente em conquistar e manter o seu par. Agora, o amor é vivido através de aplicações. A tecnologia roubou espaço e tempo ao amor. E roubou mais coisas. Em meu redor, vejo sempre mais pessoas cada vez mais dentro dos seus gadgets e cada vez menos para os outros. Os iPhones e iPads tomaram conta das nossas vidas. Passamos os dias a descobrir novas aplicações dentro dos nossos brinquedos novos, as quais, se pensarmos bem, não nos fazem assim tanta falta. Estive de férias 20 dias quase sem acesso à rede wi-fi e cada dia me sentia melhor. É verdade que os mapas me dão jeito para encontrar um hotel ou uma praia, mas de que me serve a aplicação para encontrar o lugar certo, se na vida não encontrar a pessoa certa? Para isso também existem aplicações, mas a ideia de conversar com alguém que nunca vi à minha frente, provoca-me um tédio mortal. Tantos livros para ler e tão pouco tempo para o fazer! Dar conversa a uma imagem? Não contem comigo para essa palhaçada.
Por causa do novo mundo das aplicações, o amor está a mudar. Adolescentes começam e terminam relações por sms. Falamos no Skype e no Facetime em vez de estarmos juntos. Skype e Facetime fazem sentido quando aquele que amamos está longe, mas se vive a dez minutos da nossa casa, devia era estar ao nosso lado a dar-nos mimos, os dois enroscados no sofá a rir e a ver um filme, ou cada um com o seu livro, porque o silêncio entre os amantes quando estão juntos é das coisas mais bonitas que se pode viver. Não me refiro ao silêncio pesado, envenenado por recriminações mudas, queixas surdas, ou quando um – ou nenhum – está verdadeiramente ali de corpo e alma, mas do outro, que nos traz paz e sossego à cabeça e ao coração.
Com o Facebook é a mesma coisa: publicamos músicas, cartoons, posts com frases que encontramos para expressar o nosso estado de espírito, quando no fundo todos sabemos que é uma forma de dar recados a terceiros. Estou a morrer de saudades tuas, mas não quero dar parte fraca, então toma lá o Keith Urban a cantar You will Think of Me, com a letra e tudo, para não haver dúvidas. É claro que corre sempre mal, porque quem fica a pensar que a música é para ele não é quem mora no nosso coração, é alguém que está interessado em nós, e por quem, como sempre acontece, nunca tivemos, não temos nem vamos ter qualquer interesse.
Com a tirania no mundo virtual e a sua supremacia sobre o mundo real, até pode ser verdade que estamos sempre ligados ao mundo, mas quase nunca ligados a nós mesmos. Pior ainda: habituámo-nos a estar sempre em contacto, pensando que estamos a comunicar.
Comunicar não é contactar. Comunicar é outra coisa. É partilhar, tocar, sentir a pele, o peso, o perfume, a temperatura do outro. Comunicar é fazer coisas juntos, dar um passeio de bicicleta junto ao rio, passar pelo mercado biológico, ir ao cinema, conversar sobre coisas sem qualquer importância ou da maior importância. Comunicar é estar. Sem proximidade física, qual é a graça? Quando oiço histórias de romances virtuais alimentados por longas e (aparentemente) suculentas sessões de sexting sem seguimento, sinto-me vagamente alienígena. Será assim tão bom? Não acho nem bom nem mau, só que para mim não dá.
Sou mais old school, almoços de ameijoas regados a sangria no verão e serões de conversa à lareira no inverno, passeios na praia durante todo o ano, fins-de-semana românticos e viagens a Paris. Prefiro telefonar em vez de enviar um sms, prefiro encontrar-me e estar com as pessoas em vez de falar via FB ou qualquer outro meio virtual. E prefiro dizer gosto de ti em vez de mandar ícones de corações a bater. Se quiser que o meu amor sinta o meu coração a bater, pego-lhe na mão e ponho-a no meu peito, é muito mais eficaz e muito mais verdadeiro.
Devíamos todos unir-nos para criar uma contracorrente que incentive a proximidade entre as pessoas e combata o reino das aplicações e do contacto virtual. Se vivêssemos todos presos, cada um na sua cápsula, qual figurantes forçados de um universo ao estilo Matrix, isso faria sentido, mas bolas, não estamos mergulhados num clima de guerra nem vivemos as contingências de um estado de sítio! O melhor mesmo é sair à rua, apanhar o eléctrico, o metro ou o avião, ir de carro, de patins ou de trotinete abraçar o nosso amor, em vez de perder horas em conversas virtuais. Nada substitui um olhar terno, um abraço apertado ou um beijo bem dado. Nada é melhor do que o amor vivido depois de imaginado, a fazer tudo o que nos passa pela cabeça com os telefones esquecidos no hall da entrada. O mundo não vai acabar enquanto vivemos plenamente, livres de tudo e entregues ao outro.