Poucas tarefas exigem tanto do nosso cérebro como responder a esta questão: “Quem é que este tipo me faz lembrar?” Na maioria das vezes é um esforço inglório: percorremos mentalmente toda a nossa base de dados, em busca de uma cara semelhante àquela, sem sucesso. Muito de vez em quando lá surge um momento “eureca!”, que nos enche de injustificada alegria. Não era assim tão importante descobrir que a nossa vizinha do sétimo andar é parecida com a Sandra Bullock, mas há uma certa sensação de missão cumprida, a contrastar com todos os outros fracassos. Esta semana pude celebrar mais uma dessas pequenas vitórias. Já olhava há muito tempo para Marcelo Rebelo de Sousa com a sensação de aquela cara não me ser estranha. E é-me mesmo familiar, já que o Presidente da República está igual à minha avó. Também ela, com o passar dos anos, se tem tornado mais inconveniente. Ter dito à minha prima Rita, em frente a toda a gente, que não devia ter-se casado com o Jorge, que é um cretino, causou algum embaraço, desde logo ao próprio Jorge, mas ao menos não esteve iminente uma crise diplomática.
Nota para futuro: evitar que a minha avó visite o Bazar Diplomático. Poderia fazer estragos ainda maiores do que Marcelo, abeirando-se do chefe da missão diplomática da Palestina para indagar: “Ó senhor Nabil Abuznaid, também é preciso insistirem tanto na Cisjordânia? Não podem mudar para outro lugar? Há tanto sítio bonito… Já visitaram o Magoito?” Em sua defesa há que dizer que a minha avó leva 25 anos de avanço em relação ao Presidente da República. Quando era uma jovem septuagenária, como ele, era muito mais contida. Mas as semelhanças entre os dois não ficam por aqui. Há também a vontade insaciável de conversar, seja com quem for. Compreendo essa necessidade por parte da minha avó, que passa muitas horas sozinha. De repente, uma chamada da Vodafone parece o pretexto ideal para uma longa conversa acerca da reaproximação entre Fernanda Serrano e o “ex”. Percebo menos no caso do Presidente, desde logo porque não está reformado. É estranho que tenha tempo para ligar ao cantor Melão, a saber da sua recuperação. É o género de coisa que a minha avó faria, se tivesse o número do ex-Excesso. Tal como faria a chamada de atenção à menina do decote, por ter saído à rua “de corpinho bem feito”. Se juntarmos a isto o gosto pelo convívio com a juventude, seja numa manifestação pró-Palestina frente ao Palácio de Belém ou no coro da Igreja, começo até a duvidar se a D. Estela e o Prof. Marcelo não serão a mesma pessoa. Quando a TVI noticiou a alegada cunha de Marcelo, para que duas bebés brasileiras recebessem um tratamento caríssimo no Hospital de Santa Maria, percebi que o Presidente e a minha avó são farinha do mesmo saco: quando expostos a crianças fofas, não olham a meios para as estragar com mimos. E esta é a parte em que menos os censuro. Ainda assim, uma coisa é apaparicar os netos com guloseimas, outra é deixar que duas meninas da terra do Netinho passem à frente doutras crianças doentes.
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