Na hora de promover uma grande poupança, o Governo seguiu o exemplo dos maiores especialistas em falar ao coração, e ao bolso, dos portugueses, os hipermercados, e muniu-se de uma poderosa arma secreta: o asterisco. “Creches gratuitas”, podia ler-se em letras garrafais no anúncio do Governo. “*Sujeito ao stock existente”, advertiam as letrinhas microscópicas no rodapé. Os pais das crianças abrangidas por esta benesse fizeram como eu, sempre que vejo que há um “2 por 1” nos meus produtos favoritos: vou logo a correr. Se a minha desilusão já é grande quando me deparo com uma prateleira de bolachas vazia, imagino a deles, quando dão de caras com uma creche cheia. Pior do que chegar atrasado a um “pague 1, leve 2” é chegar a tempo à creche para ouvir um “pague zero, leve um de volta para casa”. No entanto, ainda ponho a hipótese de isto não ser culpa exclusiva do Governo. Já se sabe como somos nós, portugueses, sempre que nos cheira a coisas à borla: começamos logo a formar uma fila. Mesmo que o produto não nos interesse muito, se é grátis é de aproveitar. Portanto, não me espantaria que houvesse alguns adultos inscritos na creche, só porque é um sítio em que dá para passar o dia sem pagar nada. Estilo tudo incluído. E há lá melhor sensação do que um almoço oferecido? Mesmo que seja sopinha de cenoura com borrego desfiado.
Muitos encarregados de educação têm vindo a público queixar-se da ausência de vagas nas creches da sua área de residência, o que me soa um bocadinho a comodismo: então não podem deslocar-se umas dezenas, quem sabe centenas, de quilómetros todas as manhãs? Até passam mais tempo de qualidade com as crianças. “Pedrocas, acorda que já passa das quatro da manhã e temos de ir para Santa Apolónia apanhar o comboio para a escolinha… em Vila Praia de Âncora.” É da maneira que já treinam o miúdo, para o caso de querer vir a ser professor, no futuro. Acho que estes pequenos contratempos, como não ter onde deixar as crianças para poder trabalhar, devem ser vistos como uma oportunidade de preparação para o futuro: se há numerus clausus na universidade, porque não no berçário!? Submetam os bebés a exame e fiquem só com os melhores. Para os chorões, que reprovarem, nem tudo está perdido: podem sempre tentar no ano seguinte. Em princípio, conseguem apanhar a matéria, que andará muito à volta da digitinta e dos sons dos animais. Para aquelas mães que todos os anos se queixam do que custa a separação dos filhos no primeiro dia de escola (o drama, o horror, o choro com baba e ranho, de parte a parte), o Governo arranjou solução: já não têm de se separar das crianças! Podem ficar com elas todo o dia, sete dias por semana. Sai a ganhar a relação mãe-filho, mas também o SNS, que deixa de estar sobrecarregado com toda a estirpe de doenças que se contraem nos infantários. Vamos conseguir erradicar a varicela, a papeira e, mais importante do que isso, os piolhos. Mas disto ninguém fala.
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