Há quem diga que os críticos de cinema são realizadores frustrados. Como se o destino de quem não consegue ser cineasta fosse, inevitavelmente, passar as tardes a classificar com “uma estrela” a sétima sequela de American Pie. Parece-me uma generalização abusiva. Nem todos os críticos são artistas falhados. Alguns são, por exemplo, ministros da Cultura. Pedro Adão e Silva fez esta semana a sua estreia, com uma recensão acerca da longa-metragem “Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP”. E, como sempre acontece quando um intelectual deprecia um blockbuster, o público não gostou. Nem o público nem Lacerda Sales, realizador da saga. Compreendo, foram muitas horas de trabalho para conseguir levar aquela história ao grande público, e custa sempre ver o nosso trabalho arrasado pela crítica. Lacerda Sales considerou a opinião de Adão e Silva “um desrespeito”, mas também não é caso para tanto, há que respeitar os críticos.
Mesmo os que só o fazem em regime de part-time. O que mais chocou Pedro Adão e Silva foi a fraca qualidade do elenco, achou os actores canastrões, disse que os deputados pareciam “procuradores do cinema americano série B da década de 80”, e detestou a mensagem do filme, culpando-o de contribuir para a degradação do ambiente político. Isto é mais ou menos como culpar James Cameron, e não o comandante do Titanic, pela degradação da imagem da segurança náutica. Não sei que obras da ficção nacional tem visto o senhor ministro ultimamente, para desdenhar assim desta CPI da TAP, que tem todos os ingredientes para ser um sucesso de bilheteira: acção, ritmo, mistério, suspense e, ao contrário do que costuma acontecer no cinema português, excelente captação de som. Conseguimos ouvir na perfeição tudo o que foi dito pelos protagonistas, o que é raro. Bem sei que a trama parece inverosímil: pancadaria no ministério das infraestruturas, uma bicicleta usada como arma de arremesso, senhoras de meia-idade a manietar um jovem ciclista, um despedimento por telefone, o SIS a ir buscar um computador portátil a casa de um cidadão… ficção científica também não é o meu género, mas sei reconhecer quando um filme está bem feito. A CPI da TAP é o típico filme para ver em família, enquanto se comem pipocas. Para quem prefere cinema de autor, é esperar pela adaptação ao grande ecrã do relatório da CPI à TAP, um filme independente, onde não se perde tempo com pormenores folclóricos e efeitos especiais, tipo as cenas de pancadaria de Frederico Pinheiro ou a perseguição do SIS ao dono do portátil. É uma obra mais conceptual, e com um final mais surpreendente, de facto: o governo não morre no fim, sai ilibado de responsabilidades no que toca à indemnização a Alexandra Reis. Será o final de filme mais inesperado do cinema mundial, de fazer inveja aos autores de Fight Club.
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