Um aviãozinho militar atirou uma bomba ao ar. A que terra foi parar?” Esta pergunta tem sido feita vezes sem conta, mas não conheço quem saiba a resposta. Creio que este é o maior e mais antigo mistério militar português, seguido de muito perto pelo de Tancos. É possível que a bomba que o aviãozinho militar atirou ao ar tenha ido parar a Tancos, e é por isso que ninguém sabe dela. Talvez tenha sido roubada, ou mal inventariada, ou esteja esquecida por trás de algum caixote.
O caso de Tancos teve o grande mérito de introduzir na discussão pública a bonita palavra paiol, no plural: paióis. As rondas aos paióis, o assalto aos paióis, a visita do presidente aos paióis. Todos os apreciadores de poesia se lembraram imediatamente do segundo poema das Impressões do Crepúsculo, de Fernando Pessoa, que começa com a palavra “pauis” e fundou a corrente literária conhecida por paulismo. A minha proposta é o lançamento de um movimento estético parecido, chamado paiolismo. É inspirado no assalto aos paióis, evidentemente. E consegue agrupar várias características da portugalidade, como o absurdo quotidiano, a desorganização e a irresponsabilidade.
Para compreender o paiolismo é necessário fazer uma breve cronologia dos acontecimentos: primeiro, os paióis foram assaltados. Depois, ninguém sabia dizer exactamente o que é que tinha sido levado. A seguir, o ministro Azeredo Lopes (um extraordinário paiolista) disse que, “no limite, podia não ter havido furto nenhum”. Um mês depois de o ministro ter colocado a hipótese de não ter havido crime, os criminosos devolveram o material furtado. Duas semanas depois da devolução, descobriu-se que os ladrões tinham devolvido material a mais. Esta semana, soube-se que afinal devolveram material a menos. É muito provável que a história continue a desenrolar-se, até porque há várias teorias. Cada país tem o JFK que merece, e este é o nosso. Os americanos prenderam um homem que, ao que parece, não tinha nada a ver com o caso; nós optamos por não prender ninguém. Entre o método americano e o português, prefiro o nosso. Um inocente na cadeia é uma barbaridade. E, no nosso país, há dez milhões de inocentes. Meter-nos a todos na cadeia, além de bárbaro, é impossível
(Crónica publicada na VISÃO 1324 de 19 de julho)