O aparecimento fulgurante da pizza na vida política portuguesa vem reforçar a necessidade de uma investigação séria sobre a relação da comida com o poder. Os cursos de ciência política mantêm uma teimosa recusa em estudar o fenómeno, mesmo quando certos géneros alimentícios adquirem um protagonismo político inédito. Após uma pesquisa cuidada, creio estar em condições de sugerir às academias uma nova disciplina. Duas, na verdade: Vitualha Política I e II. O plano de estudos seria este:
Vitualha Política I é, inevitavelmente, uma cadeira introdutória, embora contenha um primeiro caso de estudo. O docente deverá sensibilizar os alunos para o papel do vívere1 como forma de evitar um embaraço político, e dará o exemplo de Cavaco Silva, quando fez uso de um bolo-rei para não responder a perguntas difíceis. Foi uma mastigação com relevância política, uma vez que impediu a comunicação entre o candidato e os jornalistas, sobretudo se considerarmos que a projecção de migalhas humedecidas de saliva para a cara de profissionais da imprensa não conta como comunicação.
No semestre seguinte, Vitualha Política II debruçar-se-á sobre a comida como arma no embuste político. Aqui será necessária alguma subtileza científica, porque há embustes de vário tipo na política portuguesa, e o docente deverá destrinçá-los. Primeiro, será estudada a vichyssoise, e o modo como Marcelo Rebelo de Sousa pretendeu ludibriar Paulo Portas por interposta sopa. Talvez as progenitoras de crianças que pretendem vir a ter actividade política devam acrescentar outra regra ao ditame clássico “Não se brinca com a comida”: “Não se faz política com a comida.”
Os dois últimos casos relacionam-se com outro tipo de embuste (ou, para sermos mais rigorosos e, sobretudo, evitarmos processos judiciais, de alegado embuste). São casos, digamos, simétricos, no sentido em que, no primeiro, o protagonista se meteu em sarilhos por ter recebido comida e, no segundo, o protagonista recebeu comida por se ter metido em sarilhos. O primeiro caso é o de Armando Vara, que recebeu robalos de um amigo empresário e acabou em prisão domiciliária; o segundo é o de José Sócrates, que está em prisão domiciliária por ter recebido dinheiro de um amigo empresário e acabou a encomendar uma pizza. Vara cumpre uma pena por ter comido robalos e Sócrates come pizza por estar a cumprir uma pena. É um estudo complexo mas fascinante.
- Víveres é uma palavra sem singular. Se um aluno escrever ‘vívere’, estará a incorrer num erro. No âmbito de uma crónica como esta, trata-se de liberdade criativa e de uma interessante experimentação com a linguagem, na medida em que o autor é um artista