Muitos milhares de casais experienciam agora pela primeira vez, ou de novo, o confinamento obrigatório. Se antes estavam juntos, em média, quatro a cinco horas por dia, muitos passaram a estar o triplo do tempo, isto é, em média quinze horas todos os dias.
Que impacto poderá ter nas relações amorosas o confinamento que estamos a viver?
Parece-me que o verdadeiro impacto apenas se conseguirá aferir quando a maioria das pessoas estiver vacinada e todos falarmos da pandemia como algo que já passou. Aí sim, muitos dos que aguentaram heroicamente vão “bater com a porta” e o numero de separações e divórcios vai aumentar significativamente, porque a pandemia veio ensinar muitas lições, e uma delas é a de que a vida é um bem demasiado precioso para ser vivida a representar o “seremos felizes para sempre”, em sobressaltos desamorosos e de discussão em discussão.
Será este sentimento de que “já aguentei tudo o que tinha para aguentar” que irá estar na base da dissolução de muitas uniões. Até lá, o faz de conta, tal como o próprio confinamento, não é uma opção, é uma obrigação, especialmente quando existem crianças envolvidas e recursos financeiros reduzidos.
Mas quais são na verdade as relações que são mais vulneráveis ao confinamento?
Imagine uma relação amorosa como uma casa que se constrói “peça a peça”, semelhante a uma casa construída com Lego. Se nessa casa existirem “peças” que não foram bem colocadas e que estão, por assim dizer soltas, e não foram construídas “janelas” suficientes para o Sol entrar e haver circulação de ar, a pressão do confinamento, que mais não é do que a restrição da sua liberdade pessoal, consubstancializada na obrigação de permanecer em casa, neste caso, numa casa pouco segura e pouco arejada, pode acontecer começar a olhar para esses “erros de construção”, a sentir-se “asfixiado” e a pensar que não quer mais viver numa casa assim. Pode ainda acontecer, começar a ver defeitos e mais defeitos na pessoa que a construiu consigo e pensar se esta é a mesma pessoa com quem estava a viver antes de tudo isto deflagrar. E logo, a vontade de fugir pode espreitar, mas o dever obriga a ficar. E o que acontece? Os dois não conseguem gerir a pressão e as emoções passam a controlar, os dois e a vossa vida. As discussões são cada vez mais longas e o cansaço é cada vez maior.
E pergunto: porque é que em vez de continuar com o “colete de forças” não começa a olhar para as “peças” que estão soltas e a perguntar-se como poderiam estar mais seguras? Porque não desafia quem dorme consigo para olharem para a vossa “casa relação” e identificarem todos as “peças” mal colocadas e os sítios específicos onde poderiam abrir mais janelas? Esses trabalhos podem fazer-se em confinamento para evitar que a casa venha abaixo no pós-confinamento.
Será que a pandemia não veio dar também a grande lição de sairmos da negação e do faz de conta e sermos mais realistas e gratos por sermos obrigados a ver e a resolver?
E tanta coisa esta pandemia nos faz ver todos os dias! Também o faz ver a si, autoconhecer-se, conhecer a sua relação e a pessoa que escolheu para ter ao seu lado.
Sim, pode não ser fácil ver a sua fragilidade perante esta ameaça; pode não ser fácil ver as imperfeições do outro; pode não ser fácil perceber que não é a relação que sonhou. Mas, agora, sabe o que é mais importante, correto? Isso mesmo! Estar vivo, estarem vivos, porque ao sentir a vida correr-lhe nas veias o que o pode impedir de olhar para si e ver a sua coragem, de olhar para o outro como imperfeito e ainda assim o amar, de olhar para a vossa “casa relação” a ruir, comprar os “materiais” necessários, arregaçar as mangas, subir ao “escadote”, repará-la, abrir tantas “janelas” quantas os dois decidirem e deixarem entrar a luz que pandemia nenhuma consegue transformar em escuridão?
Se a “casa” que os dois construíram está sob fortes alicerces, todas as peças foram bem colocadas e o Sol entra todos dias, mesmo quando algumas nuvens o tentam esconder, então os dois sabem que “tempestade”, tal como qualquer outra, vai passar e não a vai conseguir derrubar. E como o sabem? Sabem-no porque os dois vão ter como propósito recíproco, a cada dia, confiar um no outro, reanimarem-se, reinventarem-se, conhecerem-se, apoiarem-se, ajudarem-se, escutarem as necessidades um do outro, assim como as suas dificuldades, amarem-se e descobrirem as razões que os fazem decidir estar e continuar juntos. E quando assim é, estar juntos é um prazer, como continua a ser prazeroso ter um tempo e espaço só para si, que o outro respeita e também tem, ainda que entre 4 paredes.
Se houve um “algo” que esta pandemia fez despertar foi que o melhor de todos nós encontrasse a mais viva e real expressão, seja na dádiva e generosidade, no consolo e bondade, na solidariedade e empatia, na compaixão e perdão…e que deixássemos de ser tão cegos no que respeita às relações, aos afetos, ao Amor e ao presente que é ter Vida, sentir-se Vivo e Viver.
Aprisionados entre muitas ou poucas paredes, aprendemos ou não, a gerir as nossas emoções, a saber como queremos viver a nossa vida e as nossas relações, a definir as nossas prioridades, a deixar de nos preocuparmos com o que não controlamos, a dar valor aos abraços e a querer estar com quem amamos, a desvalorizar e relativizar tudo o mais, a estar atentos aos outros e a preocuparmo-nos com os mais próximos ainda que distantes, a descobrir que o nosso maior poder reside na nossa fragilidade e a nossa maior virtude em aceitar a fragilidade do outro.
Creio que estes tempos difíceis contribuem para que todos nós descubramos o significado das palavras Fé, Esperança, Gratidão e Amor.
Fé em Deus como Criador do Universo e nosso Criador.
Esperança de que vai chegar o dia em que não teremos mais motivos para recear esta Pandemia.
Gratidão a cada momento, por estarmos vivos!
E Amor, para que possamos todos descobrir o que significa Amar ao próximo como a si mesmo, um dos maiores mandamentos dado por Jesus e cuja observância nos tempos modernos se tornou cada vez mais impercetível, também e especialmente no seio familiar e conjugal.
Talvez, com tudo isto, consigamos finalmente perceber, ou não, o que significa AMAR e VIVER de VERDADE.
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