Estamos em plena época natalícia e é frequente ouvirmos pessoas dizer que não gostam do Natal. Recentemente dei por mim a questionar o que leva alguém a dizer que não gosta do Natal e, por norma, em nada se prende com qualquer descrença religiosa ou não identificação com a mesma. Tendencialmente, as pessoas respondem que é devido ao consumismo. Mas, consumir não é uma escolha nossa? Não poderemos simplesmente escolher viver o Natal à nossa maneira, não tendo necessariamente que consumir aquilo que, supostamente não queremos?
Outra razão comummente apontada é o cinismo que se vive nessa altura. Mas, mais uma vez pergunto se aquilo que cada um de nós sente é cinismo? E mesmo que seja nos outros, não tem que o ser em nós. Parece que aquilo que nos faz não gostar do Natal é aquilo que vemos nos outros e não aquilo que o Natal verdadeiramente nos faz sentir. Ou serão estas apenas desculpas para não olharmos para dentro e tentarmos perceber efetivamente o que é que nos incomoda no Natal. Será que nos remete para sentimentos que não conseguimos nutrir? Será que nos lembra afetos que não tivemos? Famílias que não nos amaram? Será que o verdadeiro motivo para não gostarmos do Natal poderá estar naquilo que gostaríamos de ter mas que, por alguma razão, não conseguimos ter?
É altura de olharmos para o nosso “eu”, para sairmos do superficial, das respostas óbvias como o consumismo ou o cinismo. É altura de refletirmos os nossos motivos. É verdade que o Natal não desperta em todos o mesmo sentimento e nem todos conseguem aceder a memórias felizes quando pensam no Natal. Mas nem por isso precisam de se privar de sentimentos mais calorosos. Se em relação ao passado nada podemos fazer, em relação ao futuro temos uma palavra a dizer. Estamos sempre a tempo de dar significado às coisas, de construir memórias, de criar famílias (biológicas ou afetivas), de construir rituais e de dar sentido ao Natal ou a qualquer outra celebração.
Há ainda os que dizem que é “apenas uma data”, mas não é o ser humano que comemora datas para se conectar com as suas memórias, para celebrar a vida, para lembrar alguém ou apenas para reunir os amigos e familiares? São só datas, sim, mas muitas vezes dão o mote para encontros, para eventos, para rituais. Se precisamos delas? Tendencialmente sim. Motivam-nos, marcam momentos, ajudam-nos a criar marcos e objetivos.
De pouco serve negar tudo porque apenas não tivemos oportunidade de sentir ou viver. Estamos sempre a tempo de construir o que para nós fizer sentido. Temos que sentir o mesmo que os outros? Não. Temos que fazer como os outros? Não. Temos que ser igual aos outros? Não. Sejamos apenas sinceros connosco, expressemos aquilo que sentimos, olhemos para dentro, atribuamos os próprios significados, construamos as próprias memórias e tenhamos sentimentos próprios. Muitas vezes precisamos apenas permitirmo-nos sentir. Não bloquear com frases feitas de que “é só uma data” ou “apenas consumismo e cinismo”.
Um dia conheci uma pessoa que não gostava do Natal, que não fazia árvore e que rejeitava tudo o que tivesse a ver com o Natal. Um dia descobri o motivo. Não teve uma família presente nem a possibilidade de criar memórias felizes sobre o Natal. Mas um dia, já adulta, esta pessoa criou uma família “de coração” e o Natal passou a fazer sentido. Passou a ter rituais familiares, a fazer doces e a ter uma árvore em casa. Afinal, não gostava do Natal ou não gostava de não o conseguir sentir?