Atualmente vemos movimentos e pessoas que se adaptam, escrevem sobre, criam negócios e defendem a necessidade do silêncio para uma vida com maior qualidade. Curiosamente, por outro lado, lidar com o silêncio produz pânico e medo em muitas pessoas (senão na maioria), que fogem dele como se estivessem diante de uma doença fatal. Por que razão temos medo do silêncio se o vemos como um bem incontornável para a saúde individual e coletiva?
O movimento de vida offline já existe, com seguidores que optam por estar o mínimo possível ligados ao digital, ativando e explorando as suas redes de contactos de forma a que não haja dependência do online, tirando proveito do contacto com a natureza e do vagar para viver. Este afastamento intencional, com uma clara preferência por relações interpessoais de maior proximidade, parece oferecer mais disponibilidade e tempo para o diálogo, e privilegia prioridades que encaixam no rótulo da ‘vida saudável’. Tirar partido do silêncio é uma delas.
Mas o que é, afinal, o silêncio? Creio que, de uma forma geral, associamos a ideia de silêncio a não ruído, e a estarmos absortos a fazer algo que nos permite fluir com prazer, sem darmos pelo tempo passar. Esta sensação de flutuarmos no tempo, sem limites, entregues ao que estamos a fazer nem necessidade de falar ou cumprir metas, proporciona sensações de leveza e liberdade que nos trazem sentido à vida e felicidade. Aquilo a que o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi chamava de flow.
O explorador e empresário norueguês Erling Kagge fala, no livro «Silêncio na era do ruído», das experiências de estar consigo próprio semanas a fio em lugares remotos e em total isolamento. Para ele, que tanto conhece os silêncios profundos da Antártida como o insuportável ruído das conversas vazias, é nos momentos de fruição em que se permite deixar encantar com aquilo que vê, que consegue “estar e não estar ao mesmo tempo presente no mundo”. Momentos onde a palavra não entra, quando se entrega completamente à observação de uma rocha coberta de musgo, por exemplo. “O tempo subitamente para e sinto-me interiormente presente e, ao mesmo tempo, completamente distante. De súbito, o breve momento pode parecer uma eternidade. É como se o momento e a eternidade se tornassem um só”. Pela sua experiência, percebemos que a felicidade parece ser uma fórmula composta de silêncio, entrega ao tempo, e nada de expectativas.
Por seu lado, a monja budista Jetsunna Tenzin Palmo, que viveu sozinha em prática meditativa durante mais de dez anos numa caverna nos Himalaias, alguns dos quais em total isolamento, compreende que estarmos constantemente ocupados a fazer coisas, úteis ou não, pode ser um comportamento de escape. “Quando saí da caverna, algumas pessoas perguntaram “Não acha que a solidão foi uma fuga?”. E eu respondi “Uma fuga de quê? Eu estava lá, sem rádio, sem jornais, sem ninguém com quem falar. Para onde ia fugir? Se acontecia alguma coisa, nem podia telefonar a um amigo. Estava cara-a-cara com quem eu era e com quem não era. Não havia escapatória.”
Sem medo de enfrentar o silêncio, esta monja acredita que a entrega a permanentes fontes de estímulos e a atividades que nos mantém sempre ocupados pode ser um sinal de estarmos em fuga a nós mesmos.
Se assim for, por que razão o fazemos? Seremos pessoas terríveis a ponto de nos evitarmos desta forma? Ou fizeram-nos acreditar que aquilo que existe lá fora, a realidade palpável, visível e audível é bastante mais interessante do que a nossa essência?
Assoberbados por barulho, estímulos, ocupações, obrigações e expectativas que voluntariamente procuramos ou não, é normal termos pouca disponibilidade mental e tempo para acedermos a um espaço interno de tranquilidade que faça surgir o sonho, a criatividade, pensamentos frescos, ou simplesmente nos desligue da vida rotineira sem complexos. De uma forma geral não conseguimos, ou não sabemos, estar sós e em silêncio. Mas sonhamos com o silêncio.
Não precisamos ir para a montanha passar tempo em recolhimento ou fazer retiros de silêncio para conseguirmos alcançar alguma paz na mente. Também na cidade é possível encontrar soluções viáveis para uma sobrevivência mais digna e saudável, como sugere a monja Palmo. Regularmente opto por desligar os dispositivos digitais ao final do dia trocando-os por um livro ou mera contemplação, caminhar com os pés descalços na terra, e falar pouco. São algumas práticas que podem enraizar-nos e, quem sabe, fazer expandir os horizontes sem grande esforço… e gratuitamente.
E, naqueles momentos de maior stress ou agitação, podemos sempre relembrar que a observação atenta do musgo de uma rocha pode levar-nos a outra dimensão.
Escolhe o teu musgo. Um segundo de silêncio será suficiente.