A vida toda andei à procura desta experiência. Ouvir como num filme. Deslocar-me dentro ou fora de casa como se habitasse uma bolha sonora com qualidade e que não fosse alterada pelo ambiente. Agora sonho somar a isto todas as magníficas funcionalidades que vamos passar a comandar com voz em computadores e telemóveis.
Tive finalmente essa sensação com os Airpod da Apple. Só os usei durante alguns dias, emprestados (Obrigado Henrique). Do que se segue, facilmente se percebe que uso vários auscultadores, cada um deles o que considero melhor adaptado às circunstâncias. Tenho “cascos” dos grandes associados a cada um dos computadores de secretária que uso (em casa e na SIC), tenho uns do mesmo género mas sem fios e sem grande qualidade que uso apenas quando quero ouvir alguma coisa na TV da sala sem chatear ou acordar ninguém, e a maior parte do tempo uso “in-ear” por serem os mais práticos e discretos. Uso-os sobretudo para ouvir música no Spotify, via telemóvel, e por vezes para falar ao telefone. Neste aspecto tenho que destacar um “colar” da LG muito útil para quando preciso de me concentrar e ao mesmo tempo de trabalhar com o telefone. Permite um bom grau de isolamento, tem um som muito decente e sobretudo é capaz de lidar com os meus dois telefones ao mesmo tempo, toque o que tocar consigo atender sem chegar ao telefone. Estes “colares” parecem não ter pegado em Portugal onde raramente os vejo à venda. Sempre que entro numa loja de um operador de comunicações nos Estados Unidos vejo muitos modelos diferentes e com grande destaque. Ficam bem escondidos debaixo do colarinho e para mim são um instrumento precioso, claro que gostava que fossem ainda mais pequenos mas é também o preço a pagar pela fantástica bateria que têm.
Uma escolha difícil é entre auscultadores que cancelem ou não o ruído ambiente. Os que têm sistemas electrónicos para cancelamento de ruído dificilmente funcionam com grande parte da música que quero comigo. Ainda me lembro da cara de um vendedor numa loja em Nova Iorque, o homem simpaticamente tentava vender-me um modelo de qualidade com o tal cancelamento, quando lhe perguntei – posso pôr um CD meu, que eu conheça bem (isto já tem uns anos) ?. Disse que sim mas a expressão facial mudou o suficiente para que eu me apercebesse que nesse instante ele soube que não iria concretizar a venda. Eu tinha pegado num dos meus favoritos, se não me falha a memória o Concerto nº3 para Piano e Orquestra de Beethoven. A tecnologia de cancelamento de ruído capta o ambiente e cria ondas que bloqueiam o som externo. Claro que ao fazer isto estão a bloquear todos os sons próximos, mesmo os da música. Quando se quer ouvir com atenção uma música que não seja um mero ritmo demasiado forte isto é impraticável. O meu disco parecia que tinha uma fatia a menos, um som mortiço e sem vida. Por mais bem feito que isto seja, enquanto o cancelamento de ruído funcionar assim, não há nada a fazer.
Depois há os que têm “cancelamento de ruído” meramente mecânico. Ou seja que bloqueiam a entrada de som externo, na prática é como se colocássemos uns tampões com umas colunas dentro. Não chega nada, ou quase nada , aos nossos tímpanos que não seja o som da música que estamos a ouvir. Isto num ambiente de trabalho pode ser útil mas também isola demais, se alguém fala connosco temos sempre que pedir para repetir. Na rua têm outro problema acrescido, todos os nossos movimentos se tornam perceptíveis de outra forma. Os nossos próprios passos tornam-se incomodativos tal o ruído que ouvimos de cada vez que pousamos o pé no chão. Tenho uns excelentes auscultadores que fazem este efeito, digo sempre que foram uma óptima compra para andar de avião, e apenas para esta situação. Só assim consigo ouvir um bom concerto com qualidade aceitável a 10 mil metros de altitude e 900 Km/h. No dia a dia são impraticáveis, quer em casa quer no trabalho. A minha escolha recai sobre auscultadores intermédios que me permitem não ficar totalmente isolado e concentrado na música e naquilo que esteja a fazer, como agora a escrever este texto com o álbum Glass, do Philip Glass claro.
Pode ser picuinhice mas os fios, os malditos fios parece que estão sempre no caminho, quando me sento, quando me levanto, quando me visto ou dispo, se entro ou saio do carro. Basta virar a cara e estão lá, sente-se, há o fio físico e o fio psicológico que,no meu caso, é ainda pior. Dentro de casa há em teoria a hipótese de ter um som suficientemente espalhado para que possamos deslocarmo-nos de divisão em divisão, mas o nosso movimento faz naturalmente com que nos aproximemos e afastemos da fonte, não é nada como a sensação que procuro.
Os Airpod trouxeram finalmente a banda sonora da minha vida. Como nem gosto de ouvir demasiado alto posso andar de um lado para o outro, na redacção ou em casa, sem deixar de ouvir quem se me dirige sem ter sequer que interromper a música para encetar o diálogo. Mais, posso, como com o “colar” da LG, deixar o telefone na secretária e andar por toda a redação sem perder nenhuma chamada importante. O “colar” faz isto com dois telefones ao mesmo tempo um iOS e um Android.
Sinceramente, pode ser a ausência de fio, a forma como se adaptam perfeitamente às minhas orelhas, sem qualquer esforço ou pressão, pode ser o som, ou tudo isto junto, consigo finalmente a tal sensação de habitar a banda sonora da minha vida.
E isto só vai melhorar. Os auscultadores da Apple não são os melhores do mercado em termos de som, quanto à ligação Bluetooth vem aí uma nova tecnologia bem mais fiável, e são caros, mas representam também o início de de uma nova geração. São feios. Se há coisa que de facto me faz hesitar é aquele ar de brincos demasiado grandes a dar ares a design futurista mas dos anos 50 ou 60. E são pouco inteligentes, precisamos de usar a voz, com o Siri, ou tocar no telemóvel para mudar até o volume, os toques nos auscultadores existem mas têm funções limitadíssimas.
Os auscultadores do futuro próximo terão todos chips como os da Apple mas cada vez com mais e melhores funções, saberão reconhecer se estamos a falar com alguém e se assim o desejarmos poderão adaptar o volume às circunstâncias. Vão poder isolar ou não o exterior conforme a nossa vontade, ou até ouvir melhor, ampliar o que nos rodeia. Serão muito mais fiáveis e farão parte dos novos interfaces, da nova forma que teremos de nos relacionar com as máquinas com voz e gestos e cada vez menos com toques. Já começaram a chegar os programas que prometem fazer a nossa impressão digital auditiva e adaptar a música às nossas capacidades auditivas, como lentes de óculos que usamos para ver bem, mas neste caso optimizando o som para as nossas capacidades. E serão cada vez mais pequenos, antes de darmos por isso vamos todos andar com pequenos computadores nos ouvidos. A sério.