Para ir ao consultório do sexologista é preciso duas coisas essenciais. Uma, é ter um problema sexual ou alguma dificuldade com a sexualidade. A outra, mais difícil, é ter a coragem e a determinação para ir. É sempre preciso alguma valentia para nos sentarmos em frente de um desconhecido e começar a falar sobre os aspectos mais íntimos e privados da nossa vida. É muito mais fácil sentarmo-nos em frente de um médico de qualquer especialidade para explicar as dores nas costas, na cabeça, ou contar o historial da febre e de outros sintomas físicos que nos assolam. Apontar uma parte do nosso corpo e dizer onde dói, responder às perguntas do médico, eventualmente fazer exames complementares e receber um diagnóstico e um guia de tratamento. É muito mais fácil do que falar sobre as “dores” da sexualidade e aceitar uma proposta terapêutica que nunca é uma solução imediata. Nestes tempos modernos em que parece já não haver tabus, ainda é embaraçoso falar de sexualidade, sobretudo quando se trata da nossa. Por outro lado, a Saúde Sexual, apesar de ser uma componente essencial do direito universal, consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, ainda é um bocadinho destratada. A Saúde Sexual não é suficientemente valorizada no seio da comunidade médica nem suficientemente considerada no contexto da saúde geral. E quando surgem problemas ou dificuldades, são muitas vezes vividos com sofrimento silencioso e com um sentimento de diminuição ou vergonha. É cada vez menos assim mas, ainda é assim. Ir ao consultório do sexologista não é a mesma coisa que ir ao consultório do dentista, sem querer fazer comparações esquisitas.
A consulta consiste numa conversa com o cliente, sentados frente a frente, sem secretárias ou mesas pelo meio. É um encontro de duas pessoas que estabelecem uma relação terapêutica. E essa relação terapêutica é o setting do meu trabalho e um dos aspectos mais importantes de todo o processo. Na primeira entrevista clínica, como chamamos a esta conversa, começamos a avaliação que, por vezes não se consegue terminar na primeira sessão. A sexualidade é multifactorial e por isso é preciso avaliar as suas várias dimensões para compreendermos bem a pessoa que está à nossa frente, não é só a análise do problema e dos sintomas. Para além das dificuldades actuais que a pessoa traz, é preciso explorar os aspectos psicológicos envolvidos, como as emoções, o estado de humor, as cognições, as crenças e os pensamentos que a pessoa produz sobre o que lhe acontece. É fundamental também avaliar os aspectos socio-culturais, para perceber como foi a socialização sexual. O contexto social e cultural da educação e do desenvolvimento psicossexual tem uma enorme influência nas vivências da sexualidade na idade adulta. É importante ainda explorar os factores biológicos, e muitas vezes é necessária a intervenção de outros profissionais da saúde para fazerem a avaliação médica que eu não posso fazer. É frequente encaminhar as minhas clientes para o ginecologista para uma avaliação ginecológica, mas também posso derivar pacientes para o psiquiatra, para o urologista ou para o médico de família. Por isso dizemos que na sexualidade fazemos uma abordagem bio-psico-social, ou seja, a dimensão biológica, o corpo, onde tudo acontece, a dimensão psicológica e a dimensão social. A consulta é uma conversa privada e confidencial com a duração de uma hora. Na primeira sessão costumo assegurar a confidencialidade do que ali se fala, usando a metáfora de uma nave espacial, totalmente hermética. Entramos nela, a consulta decorre, no final abre-se a porta e o que lá se falou fica nessa dimensão terapêutica. E o que não acontece em caso algum é contacto físico com o cliente, que pode ser um individuo ou um casal, para além do cumprimento no momento do encontro e da despedida. O sexologista, sendo um psicólogo, nunca toca no cliente. Não há manipulações físicas de nenhum tipo nem a práctica de qualquer “exercício sexual” no espaço do consultório. O sexologista também pode ser um médico, habitualmente um psiquiatra, ginecologista ou urologista que recebeu formação específica por uma entidade científica creditada.
Quem vai ao sexologista são pessoas de todas as idades, quer sejam jovens adultos, ou adultos seniores. A pessoa mais velha que recebi no consultório tinha 80 anos, era um homem com dificuldades na função eréctil mas com uma frequência semanal de actividade sexual com a companheira, na verdade uma média de fazer inveja a alguns jovens casais. Também recordo uma senhora de 74 anos com um novo parceiro e com dificuldades com o orgasmo.
Os casos mais comuns na população masculina são a ejaculação prematura e a disfunção eréctil. A primeira é mais frequente e surge em homens mais jovens, habitualmente relacionada com factores psicológicos e contextuais, como por exemplo a falta de privacidade ou outros aspectos que precipitam uma relação sexual rápida. O medo e a ansiedade são grandes inimigos da performance sexual, que é uma preocupação maior para os homens do que para as mulheres. A disfunção eréctil surge em homens de todas as idades e pode ter diversos factores na sua etiologia, desde os factores biológicos como algumas doenças e respectivos tratamentos, por exemplo alguns fármacos antihipertensores, antidepressivos, fármacos para a diabetes, só para citar alguns exemplos, até às variáveis psicológicas, que incluem as emoções, a ansiedade, e medos de vária ordem, por exemplo, o medo de falhar ou de não ter uma boa performance. Estas últimas sob influência dos ditos factores socio-culturais, que dizem respeito às crenças internalizadas ao longo do processo de socialização. Coisas do tipo “Eu não posso falhar… Nunca se pode perder a ereção… A masculinidade depende de um bom desempenho sexual…” e por aí fora.
Nas mulheres as queixas mais frequentes são a diminuição ou perda do interesse sexual. É sobretudo o grupo de mulheres em relações de longa duração, as que mais se queixam da diminuição do desejo sexual, e frequentemente se sentem diminuídas, incompetentes e anormais, quando muitas vezes o único mal de que sofrem é de cansaço e acumulação de funções e tarefas. Numa sociedade onde há uma pressão para “se ser sexual e com bom desempenho”, é muitas vezes difícil (re)conciliar a esfera profissional com a doméstica, a familiar e a erótica. Para além dos problemas com o desejo sexual, existem as dificuldades com a excitação, o orgasmo e a dor sexual. É muito boa a gratificação que decorre do sucesso terapêutico. Por exemplos, as mulheres que me pediram ajuda com diagnósticos de vaginismo ou dor sexual, que não conseguiam uma penetração vaginal e que conseguiram engravidar no fim da terapia.
Todos podemos ter dificuldades sexuais nalgum período da nossa vida, algumas poderão ser disfunções e outras não. Mas aqueles que têm a coragem de ir ao sexologista são uma minoria. São aqueles que reclamam a sua sexualidade como sua e querem vivê-la o melhor possível. Pode-se falar com o médico de família ou outro especialista e pedir ajuda. Não o fazer, significa uma certa resignação ou abdicação da sexualidade. Há soluções de vários tipos para os problemas da sexualidade, e quanto mais cedo se procurar essa ajuda, mais fácil poderá ser o tratamento. Neste caso o tempo não é amigo, muito pelo contrário.
Devo dizer que a minha experiência no exercício da sexologia clínica tem sido muito gratificante por razões de vária ordem. Por um lado, porque é uma fonte inesgotável de aprendizagem, e por outro, pela alegria que me dá notar os ganhos terapêuticos e as transformações na pessoa e na sua sexualidade. É uma alegria silenciosa, discreta mas, profunda. Como disse um dia o Prof. Júlio Silveira Nunes, supervisor do meu estágio clínico em 1997 na consulta de sexologia do Hospital de Santa Maria da qual ele era director, “este é um trabalho a favor da liberdade”. Nunca me esqueci, e é exactamente isso que sinto sempre que observo a conquista do bem-estar sexual nas pessoas que me procuram. Essa conquista, esse trabalho individual, implica sempre dar passos no sentido da pessoa ficar mais livre. E por isso, eu trabalho a favor da liberdade.