Desde os primórdios, os astros exercem uma enorme preponderância sobre as nossas vidas, alimentando lendas, desenvolvendo crenças, influenciando ritmos biológicos, condicionando decisões da mais variada índole.
No entanto, a capacidade de observação dos astros está muito limitada pela nossa visão, a qual, por muito fantástica que seja, deixa escapar todo um universo de informação que apenas uma câmara fotográfica consegue registar, graças a variáveis da exposição — velocidade, abertura e sensibilidade ISO — que permitem reunir mais luz do que os nossos olhos.
Assim, dominando um punhado de aspectos técnicos, poderá usar a sua câmara fotográfica parar criar imagens que irão exceder a sua imaginação, revelando-lhe mais estrelas e fenómenos astronómicos do que alguma vez julgou ser possível observar.
Leia os passos seguintes e prepare-se para ter noites de pura magia fotográfica.
Via Láctea paralela ao horizonte, uma visão única registada num país situado próximo da linha do equador, prevendo com alguma exactidão o período da noite em que este fenómeno iria ocorrer. Foto: © Joel Santos – www.joesantos.net. Dados técnicos: dist. focal 24mm; 25 segundos a f/1.4 com ISO 6400. Arba Minch, Etiópia.
1 – LOCAL E DIA
Tal como sucede com a maioria dos géneros fotográficos, definir um local e um período do dia indicados são parte da chave para o sucesso, nomeadamente porque estes influenciam a quantidade e a qualidade da luz disponível.
Assim, no caso da fotografia nocturna, em particular no que diz respeito à astro fotografia, deverá escolher uma localização que esteja o mais afastada possível da luz artificial, pois a poluição luminosa, proveniente dos polos urbanos e vias da comunicação, irá reduzir a visibilidade das estrelas e introduzir dominantes de cor que, tipicamente, prejudicam o resultado final.
Para além do local, será preciso aferir quais os dias em que a Lua não está (demasiado) presente durante a noite, pois a sua luminosidade também irá reduzir a visibilidade das estrelas. Logo, importa descobrir em que dias ocorre a fase de Lua nova e/ou em que a Lua ainda não nasceu no período em que se tenciona fotografar. Para antecipar as fases e os horários em que a Lua nasce/põe, é aconselhável recorrer à informação disponibilizada em sites como http://www.timeanddate.com/moon/, definindo o local e data desejados.
Tenha em consideração que, dependendo do local em que fotografa, a presença de alguma luz artificial ou natural até poderá contribuir para a composição final. Por exemplo, a Lua em quarto crescente ou minguante pode ajudar a iluminar uma paisagem, equilibrando a exposição do solo como a do céu à custa de alguma menor visibilidade das estrelas. Do mesmo modo, caso aposte num primeiro plano como ponto focal da sua composição — uma árvore ou uma casa, por exemplo — o uso de uma lanterna poderá ajudar a pintar com luz esses motivos que, de outra forma, ficariam obscurecidos.
Via Láctea registada com orientação a Norte, logo com a sua apresentação mais discreta e com uma menor presença de aglomerados de estrelas. A composição foi reforçada pela presença de alguns motivos no primeiro plano — a casa de pedra e o elemento humano —, existindo duas fontes de luz artificial — um candeeiro a iluminar a casa e uma lanterna potente a criar um feixe de luz orientado para o céu. Foto: © Joel Santos – www.joesantos.net. Dados técnicos: dist. focal 24mm; 20 segundos a f/2 com ISO 1600. Serra da Estrela, Portugal.
2 – ENCONTRAR A VIA LÁCTEA
A Via Láctea, a galáxia espiral da qual o nosso sistema solar faz parte, é um dos elementos primordiais da astro fotografia, aparecendo, vista a partir da Terra, como uma faixa brilhante e difusa que circunda toda a esfera celeste, desenhada por intensos aglomerados de estrelas.
Após os nossos olhos estarem adaptados à escuridão, a Via Láctea é facilmente identificável durante uma noite de céu limpo e em locais de boa visibilidade. No entanto, mais do que encontrar a posição da Via Láctea num momento aleatório, importa, novamente, antecipar com precisão onde é que esta se encontrará a uma dada hora e num dado dia, para que essa informação possa ser cruzada com os horários e fases da Lua, bem como com a posição de outros motivos que se pretendam incluir na composição.
A forma mais fácil e eficaz para determinar a posição da Via Láctea será recorrer a uma aplicação para smartphone, como, por exemplo, a Star Walk 2 (iPhone e Android), a qual fará uso da bússola electrónica e do osciloscópio do telemóvel para posicionar no ecrã deste último as diversas constelações de estrelas e planetas à medida que orientamos o aparelho para uma determinada posição do céu.
Uma aplicação como a Star Walk 2 é essencial para prever a localização da Via Láctea ou de um determinado astro, em qualquer data e/ou local do planeta, sendo uma ajuda preciosa para programar uma sessão de astro fotografia e planear a composição com muita antecipação.
3 – EQUIPAMENTO
Uma vez na posse da informação necessária para realizar a melhor fotografia de estrelas possível — ou seja, local, horário e posição dos astros —, resta estar munido com o equipamento fotográfico adequado a este género fotográfico muito particular.
Sucintamente, eis os requisitos mínimos ideais:
- Uma câmara fotográfica com um sensor APS-C ou, idealmente, Full-Frame, já que são estas que oferecem o melhor desempenho quando se usam sensibilidades ISO elevadas (um aspecto crucial, como se verá no ponto seguinte).
- Uma objectiva ultra grande-angular (entre 16mm e 24mm, equivalente full-frame), para que se consiga abarcar uma porção considerável da Via Láctea e para que se possam usar tempos de exposição o mais longos possível (mais sobre este aspecto também no ponto seguinte). Paralelamente, é fundamental que a objectiva seja o mais luminosa possível, ou seja, que a sua abertura máxima seja igual ou superior a f/2.8 Logo, quanto menor o valor de f/, maior será a abertura, o que será indispensável para reunir a máxima quantidade de luz, evitando tempos de exposição excessivamente longos e/ou o uso de sensibilidades ISO demasiado elevadas.
- Um tripé robusto e um cabo disparador, para que a câmara não sofra vibrações induzidas pelo contacto directo com esta, pelo vento, entre outros factores que possam contribuir para que as imagens fiquem tremidas ao realizar as necessárias longas exposições.
Esta fotografia realizada durante a aurora e com um enquadramento orientado para Nordeste permitiu registar a transição do céu estrelado (à esquerda) para os primeiros raios de luz (à direita). Apesar de a quantidade de estrelas ser incomparavelmente inferior à que seria observável durante a noite sem a presença de outras fontes de luz, o resultado final é um bom testemunho deste momento mágico do dia, sempre tão almejado pelos fotógrafos de natureza devido à qualidade da luz. Foto: © Joel Santos – www.joesantos.net. Dados técnicos: dist. focal 24mm; 20 segundos a f/2 com ISO 1600. Vale do Omo, Etiópia
4 – TÉCNICA FOTOGRÁFICA
Tal como sucede em todos os géneros fotográficos, não existe uma fórmula mágica infalível, através da qual a mesma combinação entre abertura, tempo de exposição e sensibilidade ISO garantam um bom resultado logo à primeira tentativa. No entanto, existem alguns pontos de partida que poderá usar como referência e, depois de fazer uma imagem de teste, ajustar uma ou mais variáveis da exposição em função das necessidades sentidas.
Assim, para começar e definindo a sua câmara para o modo de exposição Manual, teste uma das seguintes combinações de exposição, em função da luminosidade da objectiva usada:
- 25 segundos, f/2.8, ISO 1600
- 25 segundos, f/4, ISO 3200
Uma vez realizada a imagem de teste, avalie a sua luminosidade (se possível, através do histograma). Se esta estiver do seu agrado, então encontrou a combinação ideal. Se estiver escura, aumente a sensibilidade ISO um passo (sabendo que tal irá aumentar o ruído e degradar a qualidade de imagem) ou experimente aumentar ligeiramente o tempo de exposição (para 30 segundos). Se a imagem estiver demasiado clara, bastará fazer o inverso, sendo que deverá sempre começar por diminuir a sensibilidade ISO e, apenas se necessário, diminuir o tempo de exposição ou diminuir a abertura (aumentando o valor do f/).
Note-se que o tempo de exposição sugerido — 25 segundos — tem por base duas razões. A primeira razão prende-se com o pressuposto de que se pretendem registar as estrelas como pontos definidos (tal como as vemos a olho nu) e não como traços arrastados (uma exposição acima dos 30 segundos fará com que a rotação do nosso planeta altere a posição relativa das estrelas no céu o suficiente para que estas surjam como traços arrastados em vez de pontos). A segunda razão deve-se à distância focal que, tipicamente, se irá usar, sendo que quanto maior esta for, menor terá que ser o tempo de exposição, caso contrário as estrelas surgirão com traços arrastados. Como regra empírica, o tempo de exposição nunca poderá exceder o valor encontrado através da seguinte fórmula: “(500/dist. focal) = tempo de exposição máximo”. Logo, caso se use uma objectiva de 24 mm (equivalente full-frame), tal significa que 500/24 = aprox. 20 segundos, enquanto com uma objectiva de 16 mm (equivalente full-frame), ter-se-ia 500/16 = aprox. 30 segundos. Deste modo, 25 segundos é apenas um valor médio, potencialmente indicado para a maioria dos casos, como ponto de partida que deverá ser ajustado em função das necessidades concretas.
Por fim, antes de iniciar a exposição, há um par de aspectos que não deverão ser ignorados. O primeiro é estabelecer a distância de focagem adequada, sendo que, imaginando uma composição apenas com o céu estrelado, seria perto do infinito. Visto que focar para o infinito não é uma tarefa fácil, pois depende do modelo da objectiva, da presença ou não de uma escala de focagem bem calibrada, da temperatura ambiente, entre outras variáveis, o mais prático será usar o modo Live-View (visualização em directo) da sua câmara e, com o modo de focagem manual ativado (MF), focar manualmente um objecto iluminado que esteja a mais de 30m da câmara (use uma lanterna potente para, temporariamente, iluminar uma rocha distante, por exemplo). Para uma objectiva com uma distancia focal entre os 16mm e os 24mm, esta técnica deverá ser suficiente para garantir uma focagem no “infinito”, a qual poderá refinar depois de um breve conjunto de imagens de teste. O segundo aspecto a ter em conta é de registar as imagens no formato RAW, visto que o formato JPEG não fornece a quantidade de informação essencial para a fase de pós-produção, onde o equilíbrio de brancos, a exposição, o ruído, entre outras particularidades terão que ser devidamente ajustadas para obter o melhor resultado possível.
Para além das estrelas, dependendo da latitude em que nos encontramos, a noite pode presentear-nos com alguns dos mais impressionantes fenómenos naturais, como acontece com as auroras boreais. Contudo, este é um dos casos em que a sugestão de exposição partilhada no texto principal não se aplica, pois 25 segundos de exposição tornaria a aurora boreal numa mancha verde homogénea, sem as formas “orgânicas” que tipicamente a caracterizam. Por essa razão, neste caso, foi usado apenas um segundo de exposição, deixando que a luz proveniente da própria aurora boreal e da igreja em primeiro plano ajudassem a equilibrar a luminosidade geral na composição. Foto: © Joel Santos – www.joesantos.net. Dados técnicos: dist. focal 16mm; 1 segundo a f/2.8 com ISO 3200. Islândia.
5 – Edição
Por melhor que se defina a câmara no momento em que a exposição é feita, uma fotografia de estrelas necessitará sempre de ajustes na fase de pós-produção. Assim, deverá sempre fotografar no formato RAW e, simultaneamente, dar sempre o seu melhor para evitar erros de exposição no terreno que venham a comprometer esta derradeira fase da astro fotografia.
Sumariamente, eis os ajustes que, regra geral, precisará de fazer num programa de edição imagem, como o Adobe Photoshop Lightroom:
- Equilíbrio de brancos — as predefinições da câmara raramente garantem a melhor reprodução de cor no céu, além de que apenas num programa de edição poderá ajustar fontes de luz com temperaturas de cor distintas, como acontece quando existem motivos iluminados pela luz das estrelas ou Luz em paralelo com outros iluminados por luz artificial.
- Exposição — recuperar informação em áreas obscurecidas nas sombras ou em zonas ligeiramente claras nas altas luzes é fundamental, não só equilibrando a exposição global, como também revelando mais detalhes e estrelas existentes na composição
- Contraste (global e local) — a Via Láctea tornar-se-á muito mais evidente se aumentar o contraste na zona do céu, não só através da já familiar ferramenta de ajuste “contraste”, mas também de outras complementares como “claridade”, “brancos”, “pretos”, entre outras.
- Matiz, Saturação e Luminosidade da cor — ferramentas como a HSL (Hue, Saturation, Luminosity) são essenciais para corrigir dominantes de cor, assim como para obter uma reprodução de cor equilibrada e fidedigna, sobretudo nos azuis do céu e nas cores que outros motivos na composição possam exibir.
- Nitidez — para que as estrelas se tornam mais evidentes, é essencial aplicar uma ferramenta de nitidez, com o cuidado de dosear correctamente a sua forma de acção (através de máscaras, por exemplo), para que o ruído naturalmente presente neste tipo de imagens não seja exacerbado, degradando a qualidade de imagem.
- Ruído — é fundamental aplicar ferramentas de redução de ruído, para minimizar as micro oscilações luminosas e cromáticas provocadas pelo uso de sensibilidades ISO elevadas. Novamente, é crucial não abusar destas ferramentas, pois, como efeito secundário, as estrelas poderão começar a desaparecer, bem como os detalhes presentes noutros motivos poderão ficar obliterados e assumir uma aparência “encerada”.