Território é tudo e tudo está no território.
Cada vez mais associamos, e bem, a qualidade de vida ao valor do território, designadamente no que respeita aos recursos (ar, água, solo, biodiversidade…), a tudo o que se poderá sintetizar por terroir. Na verdade, nós somos a terra onde nascemos e/ou vivemos, que nos proporciona um modo de vida onde os pilares essenciais a uma existência digna e feliz são cultural e fisiologicamente mais identitários. Um lugar, a nossa terra, com o qual nos identificamos totalmente, que sentimos fazer parte de nós. O solo, a água e a paisagem onde nascemos. O terroir do nosso corpo, da nossa alma, onde somos mais felizes porque é aqui, na terra que nos sentiu nascer, que melhor nos sentimos. Aqui temos nome e os outros, os vizinhos, conhecem-nos. Por muita desmaterialização, muitas vezes questionável, que nos apregoem, os recursos essenciais à vida – solo, água e ar – continuam a ser locais. Esse lugar, esse pequeno pedaço de território, na primordial vida local, espera e pede a nossa ação, a expressão do que cada um tem de melhor para a valorização e qualidade de vida de todos os que aí habitam. Só vivendo o local podemos saber os seus limites, os seus recursos, o seu clima, os seus patrimónios e cultura. Aqui, nesta tangível dimensão, podemos tocar, sentir, cheirar e fazer, usar plenamente os cinco sentidos. Cada vez mais, os lugares necessitam das ações de todos para que possam existir e afirmar-se, não se diluírem num global intangível onde nada podemos fazer. Afortunadamente, sobretudo no Portugal despovoado e vazio, há bem mais do que bons exemplos, quase um contínuo de expressão identitária e de autenticidade. Na prática, por estas terras há muita gente a fazer coisas, a construir território.
Vila Alva, pequena aldeia do concelho de Cuba, terra centenária marcada pelo vinho da Talha, aqui designada por Tarecos devido à sua menor dimensão. Há poucas décadas, havia mais de 70 pitorescas adegas, em cada casa uma pequena adega, ao lado de inúmeras tabernas, autênticas catedrais do Cante. Foi acabando, até que há uma década um movimento de renascimento começou a germinar. Uns qualificados jovens, com profundas raízes à terra, com vida por outras paragens, em vez emigrarem, restauraram a velha adega do avô, o Mestre Daniel e fundaram a XXVI Talhas, um sucesso com muito trabalho, mérito e arte. Há poucas semanas, aconteceu o 3.º Vinho na Vila, um fim de semana que atraiu milhares de pessoas à aldeia, inúmeros eventos, com dezenas de adegas abertas com singulares produtores de todo o País. Gente da terra que faz história e constrói território.
Ainda no Alentejo, a norte, a Herdade das Servas na ímpar e exclusiva cidade de Estremoz. Desde 1667, há 13 gerações um território na mão da família Serrano Mira. Uma imensa história a fazer e a transformar território. Em plena crise do setor do vinho, marcado por um quadro contraditório de excedente de produção, num contexto de consumo desfavorável, em 2023 é assumida a palavra “regeneração”. Na prática, a vinha deixou de ser regada, os tratamentos deixaram de ser químicos e o solo foi deixado em paz. Há dias, aconteceu a 2ª edição do Regenerative Wine Fest, um evento dedicado à viticultura regenerativa. Um laboratório vivo com a partilha de dezenas de saberes. A história continua nesta ancestral terra.
Um último exemplo, na Beira Interior, no fascinante, natural e surpreendente Vale do Coa: a Faia Brava – Área Protegida Privada, com cerca de 1000 hectares, este ano a celebrar 25 anos. O património natural vivo e vivido, com enorme valorização de um dos territórios mais despovoados e naturais da Europa. Quanto vale a ação transformadora e qualificativa da Faia Brava na deslumbrante e épica bacia do Coa?
Como sempre e em tudo, Portugal é o país dos bons e excelentes exemplos. Quando, finalmente, chegará o tempo em que temos o Estado do nosso lado e os conseguimos generalizar?
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