Um diz: “Posso implorar-te uma redução a três meses, por favor…seria o melhor presente de Natal”. Outro responde: “Claro, será um prazer, sem problema, nós não temos nada do outro lado. Vou fixar no máximo em 71 [3,71], talvez até em 70 [3,70]. O primeiro agradece: “O mais baixo possível, temos 2,5 mil milhões para hoje e isso ajudaria bastante”. O Deutsche Bank acabaria, nesse 29 de dezembro, por indicar uma taxa Euribor a três meses de 3,70, menos três décimas que no dia anterior. O presente de Natal estava entregue.
Conversas como esta encheram centenas e centenas de páginas de processos contra a alta finança, apanhada a combinar as taxas que são a base da esmagadora maioria dos contratos de crédito à habitação. Através de telefonemas cirúrgicos ou chats, com nomes tão sugestivos como “A-team”, “Os jogadores” ou os “Três Mosqueteiros”, as salas de traders negociavam décimas, equivalentes a milhões de lucros ou prejuízos num mercado avaliado em 5,9 biliões de euros.
Na hora de receber dinheiro, com base na Euribor, os traders pressionavam os seus pares para uma taxa mais alta. Se tinham de pagar, era necessária uma taxa mais baixa. O cartel foi detectado em 2011, depois de andar de rédea solta entre 2005 e 2008, e as multas continuam a pingar, a última data de dezembro passado. A Euribor era manipulada por uma negociata entre compadres, uma ficção. E ainda pode ser.
De pouco serviram os quase dois mil milhões de multas passadas por Bruxelas aos bancos apanhados no esquema de cartel, entre os quais gigantes como o Deutsche Bank, o JPMorgan, o Barclays ou o HSBC. Alguns dos traders foram condenados a prisão e outros têm de responder em tribunal. Mas o cálculo da Euribor, a questão central, tarda em ser reformado – continua a ser um painel de 20 instituições, entre as quais a CGD, a indicar todos os dias uma estimativa, baseada no juro a que estão dispostas a ceder fundos entre si.
Esta semana houve uma tentativa de criar a Euribor Plus, sem sucesso. Não foi o regulador, a Autoridade Europeia dos Mercados e Instrumentos Financeiros (ESMA), a ter a última palavra. Foram, sim, os bancos, que continuam estranhamente a ser os administradores da Euribor através das associações europeias de bancos que formam a EMMI. Durante seis meses, de setembro de 2016 a fevereiro de 2017, a EMMI ensaiou uma nova taxa com 31 bancos de 12 países. O processo passava a ser mais transparente, uma vez que a Euribor Plus seria calculada com base em transacções reais em vez de estimativas, como até aqui.
A dose de transparência alarmou as associações de bancos, sob o argumento de que a nova Euribor seria muito volátil e também mais baixa que a atual. Ou seja, deixava de ser controlável e seria menos previsível. O regulador, a ESMA, tomou nota da decisão e por aí ficou. A EMMI promete agora desenvolver um sistema híbrido nos próximos meses, perante a passividade das autoridades ainda crentes nos méritos da “mão invisível” da economia liberal. O prazo de validade do velho sistema volta a ser dilatado no tempo, uma década depois de ter distorcido o mercado. Os reguladores podem estar de sentinela, os traders até se tornaram mais cuidadosos, mas nada os impede de trocar informação sensível entre si, a não ser a ética – o valor que menos abunda nas salas de mercados.