‘I want my money back’. Uma frase, um murro na mesa e Margaret Thatcher garantia que o Reino Unido teria um tratamento especial daí em diante, até hoje, dia zero do divórcio britânico com a União Europeia (UE). A Europa tinha então dez membros (1984), os britânicos eram juniores nas lides europeias – entraram uma década antes – mas já tão temperamentais como a sua primeira-ministra.
A coreografia de Thatcher, num debate sobre apoios agrícolas, convenceu os outros líderes europeus a abrir um regime de excepção, temporário, que passou a ser conhecido por ‘cheque britânico’. A líder britânica argumentava que, como o Reino Unido não estava entre os grandes beneficiários da Política Agrícola Comum, deveria existir uma correção a favor de Londres na hora de calcular as contribuições nacionais para o orçamento europeu.
Portugal ainda não tinha o cartão de sócio do clube europeu na altura desta decisão política, mas é um dos Estados-membros que contribui com cerca de cem milhões de euros todos os anos para o ‘cheque britânico’. Em 2015, Lisboa desembolsou 121,4 milhões de um envelope total de 6,08 mil milhões de euros recebido pelo Reino Unido ao abrigo deste sistema de correção. Em média, desde 2010, a factura anual para Portugal atingiu os 96 milhões de euros, um valor muito próximo do grego ou irlandês.
Sem este mecanismo, que entretanto se tornou permanente, a contribuição líquida britânica para o orçamento comunitário ficaria abaixo da alemã e acima da francesa – um resultado proporcional à dimensão da economia britânica que continua a ser maior que a gaulesa. Depois do ‘cheque britânico’, o Reino Unido disputa verbas com Itália, um país com menos cinco milhões de habitantes. A distorção é evidente e torna as finanças da UE menos justas, mais complexas e difíceis de reformar.
A saída britânica da UE, prevista para 2019, vai extinguir o ‘cheque britânico’ mas resta saber se elimina também a ‘doutrina’. Os países mais ricos seguiram o exemplo de Downing Street para obter concessões, cláusulas de excepção, regimes especiais ou a simples e pura exclusão de políticas. Entre 2014 e 2020, por exemplo, Áustria, Dinamarca, Alemanha, Holanda e Suécia negociaram também correções orçamentais.
A renegociação do próximo quadro financeiro da UE começa no próximo ano, já sem a participação britânica. Em princípio, todos os mecanismos de correção ficam sem efeito, o que lança muitas dúvidas para a resolução de outro problema: como preencher o buraco financeiro deixado pelo divórcio britânico? Hoje, Bruxelas envia em fundos europeus cerca de sete mil milhões de euros para o Reino Unido que, por sua vez, contribui com 17 mil milhões para o orçamento comunitário todos os anos. A diferença em falta é de cerca de dez mil milhões que os 27 Estados-membros vão ter de cortar ou compensar com maiores contribuições nacionais.
Para manter o mesmo nível orçamental, Portugal teria de pagar mais 7%, de acordo com dados do Instituto Jacques Delors, enquanto a carga adicional para os países que hoje têm mecanismos de correção subiria 16% no caso da Holanda, cerca de 15% para a Suécia e Alemanha, 14% para a Áustria e 8% para a Dinamarca. O governo sueco assinalou que prefere que se encolha quer o orçamento comunitário, quer as contribuições de Estocolmo no próximo quadro financeiro, que começa em 2021. Também os suecos, tal como Thatcher em 1984, querem o seu “dinheiro de volta”. Poucos dias depois de assinada a declaração dos 60 anos do Tratado de Roma, os contribuintes líquidos da UE já acenam com menos Europa.