Qualquer caloiro de economia aprende, rapidamente, a papaguear a expressão ceteris paribus, e tudo resto constante. Duas palavras, em latim, ajudam os futuros economistas a congelarem as variáveis da realidade e a aventurarem-se a projetar cenários. A maioria das vezes, o ceteris paribus serve para justificar os desvios face às previsões iniciais e, com isso, culpar o ambiente político, como a mudança de Governo em Portugal que tanto pareceu incomodar recentemente o ministro das Finanças alemão.
Wolfgang Schäuble, formado em direito e em economia, é um mestre no “e tudo o resto constante”. É o senhor ceteris paribus da Europa. No ambiente controlado do Eurogrupo, entre folhas de excel e tecnocratas obnubilados, o ministro das Finanças alemão habituou-se a traçar políticas a regra e esquadro, sem alternativa, sem margem para contestação, sem grande bom senso. O Eurogrupo – que nos tratados europeus é um mero fórum informal remetido para os anexos – transformou-se, sob a batuta de Schäuble, no mais importante centro decisório europeu, num clube de ministros peritos em contabilidade e débeis em sabedoria política.
Com palavras cirúrgicas, nesta conferência ou naquele jornal, o ministro de Merkel forçava a sua versão de “constante” ao espicaçar a reação, na altura histérica, dos mercados. Dividiu os países entre os virtuosos (a própria Alemanha), os bons alunos, como Portugal, e o mau aluno, a Grécia. Deixou que a frase “Nós não somos a Grécia” fizesse escola pelas capitais dos países resgatados, no que podia ser um hino à Europa de hoje, uma Europa em profunda crise, em convulsão populista, a um passo da ruptura. Berlim aprendeu pouco com a lição de “Ich bin ein Berliner”, de J.F. Kennedy – pelo contrário, deixou que a Europa do século XXI cultivasse a distância dos gregos como se tivessem lepra. Schäuble brincou com a teoria do dividir para reinar e, apesar da Alemanha ter ficado fortalecida em poder económico e influência política, a Europa saiu muito fragilizada.
Um dia – sobretudo pela forte prescrição do Eurogrupo –, o que era para ser apenas a “constante” agigantou-se, rebelou-se, saiu fora do controlo da calculadora do ministro. Cidadãos votaram em eleições para mudar parlamentos, em referendos para decidir o seu futuro na União Europeia, a crise dos refugiados eclipsou a económica, e dos lábios de Mario Draghi saiu a frase que devia ter sido dita por um líder político: “Whatever it takes”, “o que for preciso” para preservar o euro.
Schäuble foi obrigado a largar o palco principal para os líderes europeus, mas não se conforma. Na sua obsessão continua a ameaçar países, como Portugal, a lançar farpas à política monetária do presidente do Banco Central Europeu, a contagiar no discurso os outros alemães em cargos de topo na União Europeia, como o comissário europeu ou o diretor do Mecanismo de Estabilidade Europeu. E está na primeira linha de sucessão do partido conservador (CDU), caso a chanceler alemã se decida pelo Merkexit antes das legislativas de 2017. Um cenário trágico para quem não gosta desta Europa moldada à imagem do ministro alemão. Está na hora de Schäuble, também ele, deixar de ser uma constante na Europa.