Resisti fortemente a aderir à entrevista mais falada do momento: a que Adolfo Mesquita Nunes deu à última edição do Expresso, que se tornou, por motivos expectáveis, imediatamente num fenómeno viral nas redes sociais. Como estou com o sistema imunitário cada vez mais musculado para resistir a pragas virtuais, ao longo do fim-de-semana fui encontrando pretextos nobres (o carnaval antecipado do meu filho, a “Better Call Saul”, o Chaves-Porto…) para ignorar a conversa conduzida pelo Filipe Santos Costa. Até hoje.
A entrevista de Adolfo Mesquita Nunes é, acima de tudo, uma apologia radical do valor da liberdade. Mesmo quando o seu exercício passe pela mais extrema das medidas: pôr termo à existência, se esta se tornar uma obrigação. “O que seria da vida se não tivéssemos a possibilidade do suicídio?”, pergunta Adolfo, citando “O Grande Retrato”, de Dino Buzatti. O que seria da direita portuguesa se tivesse um líder que pensa assim?, questiono eu.
Adolfo Mesquita Nunes é provavelmente o mais talentoso político da sua geração e talvez a maior – a única? – esperança para os conservadores liberais portugueses, um grupo cada vez menos minúsculo de senhores ideologicamente comprometidos mas politicamente órfãos. Como alguém dizia, embora pela razão errada, num dos infindáveis posts que foram escritos na sequência da entrevista, Mesquita Nunes é consistente, moderno, arejado, corajoso, e ainda por cima tem estilo – ou seja, tem quase tudo.
Numa análise superficial da conversa parece indiscutível que Mesquita Nunes é um liberal de direita – sendo quase um libertário em alguns domínios -, mas uma leitura mais refinada permite-nos chegar a outra dimensão, mais conservadora mas igualmente definidora, da sua personalidade: aquela em que as instituições da família, das raízes e da tradição, desempenham um papel nuclear. A dada altura, Adolfo justifica a decisão de candidatar-se à Câmara da Covilhã, de onde é originário, com a “aceitação de uma espécie de legado” do seu avô, a figura que mais o marcou. Ora, o conceito de legado é um dos mais centrais em todo o pensamento conservador, seja ele liberal ou não, como podemos comprovar pela obra de Oakeshott, que está longe de ser um ícone do conservadorismo liberal. O homem não é mais do que um elo de uma corrente que é muito maior e mais importante que ele. Ignorar isto na entrevista de Mesquita Nunes é passar ao lado de algo que nela é quase tão essencial como a ideia de liberdade.
O que faz de Mesquita Nunes um activo valioso para a nova direita portuguesa é a simbiose enérgica e, por isso, vital, que é capaz de fazer entre valores erradamente vistos como conflituantes quando falamos desta área política. O apego às origens que o fez regressar à Covilhã não é incompatível com a visão cosmopolita da vida que obviamente possui. O respeito que manifesta pelo passado e o gozo com que vive o presente não o inibem de olhar para o futuro sem os dogmas cepticistas tão característicos da direita não liberal. Finalmente, a desconfiança que toda a direita – liberal ou não – manifesta em relação à utopia militante que caracteriza os esquerdistas encartados não o inibe de sonhar. Estes ingredientes juntos conferem-lhe uma frescura quase revolucionária que, se for compreendida pela direita não liberal, pode ser importante para o CDS num futuro provavelmente não muito distante.