Há muito que a política se mistura com o futebol, este com a justiça e aquela com os dois anteriores. Não se pode dizer, portanto, que os escândalos recentemente tornados públicos sejam uma novidade. O bacanal em curso é velho. Tão idoso que em qualquer democracia madura já teria falecido – e no entanto ainda se move em Portugal, o que seguramente dirá alguma coisa sobre o país que temos.
Não é preciso ser dotado de uma memória de elefante para ter bem presente o deboche que foi o processo Apito Dourado, em que dirigentes desportivos – alguns ligados à magistratura – políticos e árbitros comercializavam favores em benefício do Futebol Clube do Porto, usando como moeda corrente umas rechonchudas peças de fruta devidamente acompanhadas de café com leite. O caso foi arquivado por “falta de provas”. Mas alguém com mais de um neurónio acredita que os factos não ocorreram?
Também não é necessário ser um news junkie para saber quase tudo sobre o outro Apito – o Encarnado, inicialmente caracterizado pela oferta de vouchers com fartura e pela troca desenfreada de e-mails duvidosos entre pessoas duvidosas, e agora robustecido com a entrada em cena de um juiz-desembargador, Rui Rangel, a quem Luís Filipe Vieira terá pedido para interceder pelo seu filho no caso de uma dívida fiscal de mais de um milhão de euros. O mesmo Rui Rangel que foi seu adversário na corrida à presidência do Benfica, numa campanha alegadamente financiada pelo empresário José Veiga, o mesmo José Veiga que no passado fez transacções milionárias com o Benfica e que agora é suspeito de corrupção por negócios efectuados no Congo.
Para completar a saga falta agora o Apito Verde. A justiça já deu o tiro de partida, com a abertura de pelo menos duas investigações a Bruno de Carvalho: uma por alegado tráfico de influências, outra por supostamente ter recebido “luvas” no valor de 250 mil euros no âmbito da transferência do jogador japonês Tanaka. E como pretende defender-se o presidente mais exterminável da história do Sporting? Não se sabe com exactidão, mas nas últimas eleições Carvalho já deixou uma pista: “Os outros [Benfica e FCP] têm um exército que se mexe e influencia; nós [o Sporting] não. Estou a falar dos que podem ter uma intervenção pública, como presidentes de câmaras, aqueles que estão em procuradorias ou na Assembleia da República.” Voltamos, pois, ao início, à trilogia perversa em que futebol, justiça e política se amassam mutuamente em contínua libertinagem. Depois de dois dias de intenso dramatismo em que deixou engordar a ideia de que podia demitir-se, Bruno de Carvalho revelou hoje que poderá continuar alegremente na liderança do Sporting por muitos e bons anos. É pena.