Poder ter opinião é maravilhoso. Porque isso significa fazer parte do mundo em que vivemos. Emitir publicamente as nossas opiniões é ainda mais maravilhoso, pois tal significa que vivemos num país livre.
Discutindo o assunto num outro nível, já aqui defendi ser bom as pessoas formularem e discutirem as suas opiniões mesmo quando não possuem muitos conhecimentos sobre os assuntos em debate, pois é uma oportunidade interessante para se conhecer mais, para aprender e, quem sabe (sobretudo os espíritos livres), mudar de opinião.
Infelizmente, há também quem apresente as suas convicções como opiniões, sem se esforçar por saber se essas opiniões são confrontáveis com a realidade, ou seja, com os factos. O grande filósofo e epistemólogo Karl Popper distinguiu entre teorias científicas e ideologias. As primeiras caracterizam-se por poderem ser confrontadas com os factos, e «falsificadas» se se mostrarem infundadas. Em contrapartida, as ideologias não podem ser confrontadas com os factos, logo não podem ser falsificadas e tornam-se uma questão de «fé». Ou acreditamos nelas, ou não acreditamos.
Uma das principais razões que levam certos indivíduos a desprezar os «números», para além da habitual incapacidade de os saber ler, é o facto de os dados estatísticos poderem desmontar algumas ideias feitas, que esses indivíduos defendem constituir a «sua opinião». Eu posso teimar que a água do mar do Sotavento algarvio é mais quente que a do Barlavento. Fundamento a minha opinião em artigos que li, em banhos que tomei num sítio e noutro, nos testemunhos de pessoas que lá passam férias, etc.. Eu tenho esta opinião e ninguém me convence do contrário. Até ao dia em que as autoridade marítimas, por exemplo, apresentam medições de várias praias num sítio e noutro, durante vários meses e anos. A partir desse momento – se as medições forem correctas –, eu deixarei de poder ter uma opinião que contradiga os factos.
As estatísticas nacionais dos países democráticos desempenham um papel de grande relevo neste esclarecimento público, que nos leva a formar opiniões com base na medição da realidade e não em ideias pré-concebidas. Nestas situações, as pessoas que gostam de falsear a realidade, e que muitas vezes se habituaram a abusar do desconhecimento das camadas da população menos instruídas para as convencer das mais diversas ideias infundadas, reagem mal, pois perdem o poder que tinham – normalmente por terem profissões com maior prestígio social – de obrigar os outros a acreditar nas suas fantasias. Em suma, as estatísticas nacionais contribuíram de maneira decisiva para melhorar a democracia. E os presidentes dos institutos nacionais de Estatística deviam ter o relevo nacional que merecem.
Vem tudo isto a propósito de uma notícia fabulosa desta semana no «Financial Times»: o antigo Presidente do Instituto Nacional de Estatística grego, Andreas Georgiou, calculou o «déficit» grego – creio que em 2008 – de forma rigorosa e de acordo com as normas europeias (cálculo que foi validado pelo Eurostat), mostrando que o valor não era de todo próximo dos que os aldrabões do governo andavam a apresentar há anos, mascarando as contas gregas de forma inaceitável. Como consequência, a EU teve consciência do que se passava na Grécia e o descalabro grego tornou-se público (porque ele já existia, só que os responsáveis mentiam descaradamente, mascarando as contas e os indicadores). E assim começou o calvário do pobre homem. Depois de andar fugido por ter recebido ameaças de morte (sei-o de outra fonte que não esta notícia), Andreas Georgiou está agora a braços com a justiça, acusado de ter prejudicado o «interesse nacional grego». Os seus colegas europeus estão a fazer uma colecta para ele se poder defender em tribunal. E a UE devia intervir perante este prolongamento da vergonha grega.
O episódio não mostra apenas o infra-europeísmo da cultura grega actual (que explica, também, a «sirizada» que aconteceu depois). Mostra também até que ponto é tentador manipular os números. Há até aquela frase que diz que a Estatística é o melhor meio de mentir. É uma frase estúpida. Porque, em todas as ciências, os especialistas podem enganar os que nada sabem do assunto. Assim, o único remédio para não sermos enganados por falsas estatísticas é pararmos de nos armar em espertos por «odiar os números» e melhorar a nossa leitura das estatísticas e, tanto quanto possível, aumentar o conhecimento sobre a Estatística.