Quem ama a natureza açoriana tem nos trilhos pedestres o contato mais direto com tudo o que de bom ela generosamente oferece. Após uma caminhada de horas por matos, pastagens, grotas, montes e vales das ilhas, sentimos um preenchimento que só sente quem comunga da proximidade das vastidões do verde, das transparências das ribeiras, charcos e lagoas – qual delas a mais bonita – das marés a fustigarem, ou a acariciarem a bela pedra basáltica negra, das amálgamas de tons de azul diferentes em céus onde até os novelos de nuvens, trazendo o seu sombrear, oferecem matizes únicas em tanta maravilha terrena. Ser açoriano, ou estar nos Açores é, inequivocamente, um privilégio que só os portugueses das ilhas ou os visitantes fruem.
Nos nossos dias, com o advento do turismo nos Açores, câmaras, juntas de freguesia e governo em boa hora encontraram nos trilhos a melhor oferta para os visitantes, sobretudo os vindos da Europa central e do norte, também da América, que vão chegando amiúde diariamente a este paraíso de nove ilhas, considerado pelo New York Times e por demais imprensa mundial o melhor destino do mundo.

D.R.
Num périplo rápido por alguns percursos pedestres das nove ilhas, seguindo no sentido do oriente para o ocidente, entre outras possibilidades, encontramos na ilha mais oriental dos Açores, Santa Maria, o trilho da Areia Branca, um trajeto linear que une a Praia Formosa, na costa sul, à Baía de São Lourenço, na costa norte, ligando as duas praias que curiosamente são de areia branca, calcária, quando a pedra açoriana é basáltica; num dia bonito, já em São Miguel, a ida à mais alta montanha da ilha, o Pico da Vara, com 1103 metros de altitude, junto ao planalto dos Graminhais, assim denominado por ter abundância de uma planta rasteira chamada gramínia, começa e acaba por entre matas de criptomérias de grande porte (Cryptomeria Japónica), desfrutando-se em permanência de uma vista excecional sobre o nordeste da ilha, tanto na subida como na descida; na Terceira, a chamada ilha de Jesus Cristo, mais propriamente nos Biscoitos, surge-nos o trilho Rocha do Chambre, a transbordar flora endêmica como o louro (Laurus azorica), a faia da terra (Morella faya) e o cedro do mato (Juniperus brevifolia); na ilha Graciosa, o trilho Volta à Caldeira levar-nos-á à Furna do Enxofre, cheia de interessantes formações geológicas; em São Jorge, é de pasmar o trilho Fajã do Santo Cristo, onde se desce por um atalho cheio de espécies da flora endémica, como urzes, cedro do mato, uva da serra, erva do capitão, entre outras. Ao fundo, junto ao mar, deparamos com uma lagoa de água salobra habitada por amêijoas, que são a delícia do prato jorgense; na ilha montanha, o Pico, poderemos explorar o trilho das lagoas. Num percurso por pastagens em altitude, descobriremos as Lagoas do Caiado, Lagoa Seca, Lagoas do Peixinho, Lagoa do Paúl e outra mais. Nesta caminhada encontramos belas aves como a pequena estrelinha (Regulus inermis), o melro-preto (Turdus merula azorensis), galinholas (Scolopax rusticola), entre outras espécies; no centro da ilha do Faial e em área de paisagem protegida, a uma altitude entre 840 e 1040 metros, temos o trilho circular da Caldeira, avistando-se sempre, numa caminhada de 2 quilómetros, este importante geossítio, criado por erupções acontecidas ao longo de 400 mil anos; sugerimos ainda, na ilha das Flores, o trilho da Fajã Grande. Faz-se uma caminhada com início no porto da Fajã Grande com o ilhéu à vista, esse que é o ponto mais ocidental da Europa; chegados à mais pequena ilha do arquipélago, o Corvo, poderemos fazer o trilho do Caldeirão, inserido na área protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies da Costa e Caldeirão do Corvo. É possível descer à caldeira de colapso no topo do vulcão central.
D.R.
Estes são apenas alguns dos muitos percursos pedestres, qual deles o mais fascinante, que encontramos nos Açores. Fiz recentemente, em São Miguel, vinte e sete quilómetros de deslumbramento, que é sair-se caminhando da Lagoa do Canário, circundar por cima quase todo o perímetro da Lagoa das Sete Cidades, com vegetação e hortências quanto baste derramando cor quase até ao início das águas; desce-se depois por um atalho íngreme até às margens da imperturbável massa de água e regressa-se à origem. Percorrer este trilho é, inevitavelmente, ouvir o chilreio dos pássaros, observando-se a ligeireza dos minúsculos canários da terra – aves em vias de extinção por força dos ataques dos pardais parasitários – a pulular nas conteiras amarelas para nos acompanhar; é ouvir os berros das vacas malhadas nas pastagens a ecoar nas encostas, as tão propaladas vacas felizes, anunciando estou aqui; é poder respirar a par e passo um intenso perfume exalado pelas flores endêmicas e pelo verde cheiroso da ilha, tudo sobre uma vertiginosa profundidade que vai descendo ate à lagoa e o profundo abismo que mergulha no mar. Arrisco afirmar, sem pretensões, que é difícil existir em Portugal sítio mais idílico e melhor chamariz para o turismo-natureza!
– Are you liking your stay – pergunto inúmeras vezes.
– Off course, we are in paradise –respondem-me franceses, alemães, ingleses, suíços, americanos, japoneses …, absolutamente fascinados.
O turismo nos Açores tem nos trilhos uma das suas maiores valências, quando se verifica a nível planetário uma cada vez maior propensão para a prática de uma vida saudável. Há, pois, que os manter devidamente cuidados e fiscalizados.
A finalizar, voltemos ao trilho dos 27 quilómetros. Após a descida, deslizar em Kayak sobre as águas azuis e verdes da lagoa, associando-nos às carpas e percas corpulentas que saltam em redor como a quererem saudar-nos; ver passar junto à superfície no seu nadar sereno os longilíneos lúcios, que chegam a atingir comprimentos de um metro e oitenta …, perante todo este legado, só nos resta mesmo mergulhar para dentro da nossa interioridade onde, surpreendentemente, encontraremos uma incomensurável pequenez face à magnitude do vulcão inundado. Todo esse fascínio selvagem implantado no meio do mar é desafio à nossa imaginação, é tocarmos o Universo todo ali, é gosto que verdadeiramente se quer ter.
Visitar os Açores e trilhar as suas interioridades torna-se quase indispensável. Na açorianidade, amplificaremos a nossa portugalidade.
Assine por um ano a VISÃO, VISÃO Júnior, JL, Exame ou Exame Informática e oferecemos-lhe 6 meses grátis, na versão impressa e/ou digital. Saiba mais aqui.
