Do programa eleitoral do Partido Socialista fazia parte uma medida que assustou muita gente. A corrida aos notários no início deste ano, para formalizar a passagem em vida de legados aos que mais tarde os herdariam, é um sinal desse receio em relação ao imposto sucessório.
O programa socialista previa que o imposto fosse aplicado apenas às heranças acima de um certo valor. E as mais recentes notícias dão conta de que a medida só será posta em prática no próximo ano. Contudo, alarmadas, as pessoas decidiram ir tratar já do que ficaria apenas resolvido pela sua morte. É natural: já que podem deixar algo aos seus, deixam-no por inteiro.
O anúncio do imposto sucessório deixou alguns comentadores nervosos. Dizem que é injusto, alguns, que não fomenta a desigualdade, outros, e que desincentiva a poupança, uns quantos. Mas o argumento sempre invocado é o do “fruto do esforço” que deve cair no regaço dos “legítimos herdeiros”.
Vamos por partes.
No meu entendimento de um homem ou de uma mulher não cabe a ideia de que este ou esta são uma extensão da sua família. A família é algo que não escolhemos (embora a possamos adotar). Descender de uma abonada ou remediada ou indigente não é uma escolha nossa. Então, porque é o nosso DNA ferrado à nascença pelo provir em vez do porvir? Haverá mais injusta e iníqua expressão de desigualdade do que esta, determinada na casa da partida pelos bens de uma família (ou a sua ausência)? Entre os comentadores que defendem a iniquidade do imposto sucessório, que é um modo de distribuir por todos o que beneficiaria apenas alguns “sortudos do esperma”, como um autor norte-americano um dia escreveu, ninguém se questiona sobre o modo como a transmissão da riqueza (ou da pobreza) é um instrumento de uma desigualdade injusta, que nada tem a ver com as capacidades ou esforço de quem a “herda”?
O Luís Valente Rosa, em toda a sua sabedoria, refletiu bastante sobre a desigualdade nos desafiantes Cultura e Civilização e Talvez Amanhã (ensaios publicados em edições de autor, disponíveis para download no site do também colunista da VISÃO: www.luisvalenterosa.pt). As suas propostas são radicais e utópicas, no sentido de não deixar pedra sobre pedra e de apelar a um mundo novo, mas interpelam-nos a pensar nesta injusta desigualdade. Eu, mais conciliador e pragmático, ficaria para já satisfeito que a desigualdade determinada à partida pelo clã de que se se provém fosse atenuada por um imposto sucessório. E nem me lembraria aqui de evocar os 16 países que a Wikipédia lista como aplicando ineheritance taxes, entre os quais se contam os EUA, a França, o Brasil e a Espanha…
É claro que muitos portugueses devem temer o destino destes impostos, perante uma experiência política em que o Estado mais do que zelar pelo bem de todos tem zelado pelo bem dos que nele ocupam cargos de relevo. Talvez uma alocação do imposto a uma finalidade concreta – a Educação? – nos permitisse dormir mais descansados. Seria certamente o mais justo dos impostos da Via Láctea e das galáxias vizinhas. E calaria o redil dos que se “chocam” com o sucessório.