Quando ontem ouvi Ricardo Salgado dizer que bastava um sinal de Carlos Costa para ter saído da administração do BES, lembrei-me de uma canção muito em voga nos anos 80, a década em que fui adolescente. Cantada por Lena d’Água, foi um hit da então “selvagem” intérprete (se virem fotos da altura perceberão o uso do adjetivo) e o mote da maioria das estrofes era: “Sempre que o amor me quiser/ basta fazer um sinal”.
Se uma audição parlamentar ao banqueiro que dominou a cena financeira nacional durante mais de 20 anos faz ressoar a letra de uma canção pop desta envergadura, é óbvio que algo está mal. A única explicação para isto é que o tal banqueiro também é um dos mais proeminentes arguidos nacionais, que evitou a prisão preventiva pagando uma caução de três milhões de euros.
Foi neste domínio difuso e ignoto onde se cruza a suspeita de burla e de branqueamento de capitais, as canções de embalar jovens 80´s e a sabedoria popular chinesa – “O leopardo quando morre deixa a sua pele e um homem deixa a sua reputação” – que decorreu a sessão de inquérito parlamentar de mais de 10 horas com Ricardo Salgado. Segundo o próprio, Ricardo e o banco que dirigia nunca erraram. Tremeram por causa da crise económica mundial. Não se endireitaram porque o governo lhes negou um empréstimo. Foram vítimas dos negócios em Angola. Sucumbiram por causa do Banco de Portugal. Foram desconsiderados pela comunicação social. Mancharam-lhes a honra e a dignidade, a si, ao banco e à família. Só problemas. Só chatices. Claro que a razão pela qual surgiu um buraco de milhares de milhões de euros que o Estado foi forçado a garantir e os contribuintes, em última instância, a pagar, ninguém percebeu.
Carlos Costa, o cauteloso governador do Banco de Portugal que nos tem dito que a sua instituição só não fez mais porque estava de mãos atadas para “despedir” Ricardo Salgado, também deu um ar de sua graça. Embora não tenha aparecido em cena, fez ouvir a sua voz megafónica numa mensagem prontamente dada a conhecer aos jornalistas. Segundo a mesma, teria pedido a Ricardo Salgado para sair em abril deste ano.
Esclarecidas as coisas, sabemos agora que houve um “sinal”. Mas Ricardo Salgado não o entendeu. Como certos namorados enamorados, Ricardo ignorou, não reconheceu, fechou os olhos. Era um sinal mas não o sinal que ele queria. Não estamos já na ordem da supervisão bancária, a que está obrigado o Banco de Portugal. Estamos na ordem do flirt bancário. Na dos sinais mal-entendidos. “Numa fogueira que arde de paixão”, como sublinha uma estrofe desse monumental trabalho de Lena d’Água. Que, por acaso, também foi a autora do grande sucesso que dizia assim: “Demagogia feita à maneira/É como queijo numa ratoeira”.