Para quem possa ainda ter dúvidas sobre a qualidade da atuação do Banco de Portugal no caso BES, aconselho a leitura da carta que Pedro Queiroz Pereira endereçou ao governador da entidade reguladora bancária. A missiva, de quatro páginas, foi endereçada a Carlos Costa a 24 de setembro de 2013, quase um ano antes do esgoto financeiro do banco e do grupo ter rebentado nas nossas caras. Ontem, quinta-feira, 13, o jornalista Pedro Santos Guerreiro revelou-a no
Expresso Diário.
Queiroz Pereira estava então em guerra aberta com Ricardo Salgado pelo controlo do seu grupo, a Semapa, por sua vez accionista maioritário da Portucel. Segundo o texto do Expresso, Ricardo Salgado, o líder do BES, quereria tomar o controlo do grupo industrial para deitar as mãos ao generoso cash flow que gera, um modo de tapar os buracos existentes nas holdings Espírito Santo registadas no Luxemburgo.
Ao governador, Pedro Queiroz Pereira deu conta das dúvidas sobre as contas da ES Control, de que era acionista, holding que detinha mais de 50% da ES Internacional. Disse-lhe, à altura da carta, em 2013, que as contas de 2011 da ES Control ainda não haviam sido depositadas junto da entidade competente luxemburguesa. E que não havia sido convocado durante cinco anos para as reuniões do conselho de administração da ES Control, nas quais haviam sido decididos aumentos de capital social e aprovadas as contas anuais.
O que é extraordinário, contudo, é que o empresário português junta na carta ao governador documentos e dados que comprovam, segundo ele, um buraco (“capitais próprios negativos”) de 675 milhões de euros na ES Internacional. No seu alerta, Queiroz Pereira escreve que, face às denúncias que acabara de fazer e a outras notícias da imprensa, nas quais se relatava a venda a particulares de unidades de participação no fundo ES Liquidez, “o estado de saúde financeira e de governo societário [é] no mínimo preocupante”. E, termina o empresário, a situação pode ter um alcance “devastador”.
Como já todos sabemos, as preocupações de Pedro Queiroz Pereira – que então estava a zelar, como é óbvio, pelo seu património e interesses – vieram a confirmar-se. Um ano depois deste alerta, o Grupo Espírito Santo colapsou e arrastou consigo o banco, obrigando a uma intervenção para o seu resgate em que entram dinheiros públicos.
Apesar da carta de Pedro Queiroz Pereira (em que também pedia uma audiência ao governador do Banco de Portugal), Carlos Costa manteve a gestão do BES. E permitiu um aumento de capital do banco (o agora “mau”) em que milhares de investidores perderam as suas economias. A seguir, aquando da queda vertiginosa das cotações do banco em bolsa, manteve junto dos portugueses que as provisões a que o obrigara seriam suficientes para cobrir os buracos financeiros do grupo – na mesma altura em que os grandes acionistas se viam livres das suas ações, antes da intervenção que criou o banco “bom” e o “mau”.
Há um grupo de comentadores que continua a defender a atuação de Carlos Costa, que de prudential e prudente, no meu entender, nada teve. O governo, que o nomeou e por isso tem a responsabilidade última pela sua atuação, apesar da independência de que goza ao abrigo do Estauto do Banco Central Europeu, manteve-o até agora. Talvez devam, todos, ler a carta…