Entraram em conflito, nos meados do século XIX, imaginem só !, por causa do sufrágio das almas das pessoas (foram milhares) que morreram, na manhã do dia 29 de março de 1809, no célebre desastre da ponte das barcas, que ocorreu aquando da segunda invasão francesa. Mas, vamos por partes.
Como é geralmente sabido um numeroso exército francês comandado pelo general Soult entrou no Porto na manhã do dia 29 de março de 1809, uma quarta feira de Trevas, ocupando a cidade. Era a segunda invasão francesa.
Os soldados de Napoleão ainda estavam às portas da cidade e já o pânico havia tomado conta dos moradores. Quem pode fugiu na véspera. Como foi o caso do bispo, D. António de S. José de Castro que, por acaso, até era, também, o comandante das tropas que deviam defender a cidade. Escapou-se na véspera da chegada de Soult, indo para o mosteiro da Serra do Pilar, do outro lado do rio, em Gaia.
A mole imensa do povo, essa dirigiu-se para a Ribeira na esperança de poder alcançar a ponte das barcas e, através dela, chegar ao outro lado, fugindo assim à sanha dos franceses.
A confusão era indescritível. E o pior estava para acontecer.
Contra todas as previsões, a ponte estava aberta ao meio. Era costume abrirem-na durante a noite para permitir a passagem das pequenas embarcações, nomeadamente a dos pequenos barcos das padeiras de Avintes que vinham trazer o pão à cidade.
Pode ter sido aberta pelo motivo acima referido. Mas na altura chegou a correr a informação de que fora aberta na véspera, sim, mas a mando do bispo , depois deste a ter passado, para evitar que fosse utilizada pelos franceses…
Fosse como fosse, a verdade é que, a meio da ponte, fora “cavado um fosso onde as pessoas que tentavam fugir da cidade iam caindo, precipitando-se nas águas tumultuosas do rio Douro”. Consta de uma crónica jornalística do tempo que “ a multidão , sem perceber o que se passava, desvairada pelo terror, impelindo-se a si mesma, atropelada pela cavalaria portuguesa que, fugindo, abria caminho à cutilada, ia incessantemente sumir-se na escancarada voragem da ponte…” Morreram milhares de pessoas.
Logo a seguir à tragédia, um artista anónimo colocou no cais do lado do Porto, onde se acedia à ponte, um painel em que se reproduzia a catástrofe. Diante dessa singela mas piedosa evocação ardia a chama de duas votivas lamparinas de azeite que era comprado com o produto das esmolas que os fieis deixavam numa caixa ali colocada para o efeito. Não havia ninguém que, passando pela Ribeira, não fizesse a sua oferta para as “Alminhas da Ponte”.
Por 1810, como a devoção fosse crescendo e aumentasse significativamente o volume das ofertas, os vendedores da Ribeira entenderam que devia ser confiada a uma entidade responsável a administração do dinheiro que caia na caixa das esmolas das “Alminhas” e, dessa incumbência encarregaram a confraria de S. José das Taipas e Almas que tomava o encargo de, todos os anos, a 29 de março, organizar sufrágios religiosos por intenção dos que haviam perdido a vida no desastre da ponte. E assim aconteceu, durante os primeiro anos , até que apareceu em cena uma outra confraria , também das “Almas”, com templo da rua de Santa Catarina a exigir para ela a administração dos dinheiros das “Alminhas da Ponte”.
Vejam o que disse outro cronista da época a propósito dos intentos desta confraria da rua de Santa Catarina: “Não foi por um sentimento de piedade que levou esta corporação a reclamar a administração dos esmolas; a questão é reles, porque assenta numa base de ganância; o que se está a preparar é um assalto em forma às esmolas dos fiéis…”
A questão azedou. Subiu de tom. A opinião pública indignou-se . E foi então que o bispo da diocese chamou a si o pleito que mediou e resolveu a favor da irmandade de S. José das Taipas e Almas. No templo desta confraria, na Cordoaria, ainda existe um painel com uma bela pintura que evoca o desastre da ponte das barcas.