Ontem, dia 9 de Janeiro de 2017, acabei a segunda versão de “Até que as pedras se tornem mais leves que a água”, o que significa que só necessita de mais uns meses de trabalho a fim de ser publicado em outubro deste ano, e significa também que a minha obra, tal como a tinha planeado, está no fim. Há um outro livro já pronto, “A última porta antes da noite” e faltam-me escrever os dois últimos
(isto se Deus me der vida e saúde, claro)
que sairão em 2019 e 2020. A “Última Porta” sairá em 2018 e, depois de 2020, fechado o círculo, calar-me-ei para sempre. Alegra-me a ideia de conseguir realizar
(oxalá)
o que tinha decidido. São 30 livros que formam um continuum, um único trabalho, um único volume, a razão de uma vida. A razão e o orgulho. Fiz o que queria, consegui o que queria e como queria, sou perfeitamente consciente do seu valor: mudei a Literatura.
Depois há estas prosinhas a que se convencionou chamar crónicas. Comecei a escrevê-las por mero acaso, numa altura de dificuldades materiais, em que a editora onde estava não tinha dinheiro para satisfazer os meus direitos. E então o Pai Natal fez um milagre: recebi um telefonema de Vicente Jorge Silva, diretor do Público, a pedir uns textos para um suplemento do jornal. O que pagava era precioso para mim e como o meu grande e querido Amigo José Cardoso Pires estava na mesma editora e na mesma situação que eu, falei ao Vicente e passámos a alternar aos fins de semana, numa revista que saía com o diário, creio que chamada Pública, não me lembro bem.
Entretanto a editora tornou a pagar e deixei de viver em estranguladas aflições monetárias. As ditas crónicas, que no meu modo de ver não possuíam qualquer qualidade literária, destinavam-se, na minha cabeça, a distrair os leitores do jornal e caíram-lhes no goto.
Como não leio nem nunca li jornais não lhes atribuí
(continuo sem lhes atribuir)
qualquer mérito artístico. Não passavam (não passam) de simples divertimentos sem qualquer ambição de qualidade. A certa altura, como as pessoas pareciam ter prazer com elas, propus ao editor que se publicasse um voluminho com alguns daqueles artigos.
O editor recusou com o pretexto
(tinha toda a razão)
de que os leitores não estavam habituados àquele tipo de prosa. Passado algum tempo falei novamente no assunto e ele lá se decidiu a pôr cá fora um objecto chamado Livro de Crónicas, o Zé preparou um outro com o título de A Cavalo no Diabo e, para espanto nosso, aquilo esgotou num rufo. Para espanto dele e para espanto meu, porque não era literatura
(assim com l pequeno)
era apenas entretenimento, mas veio provar como, em Portugal, essas coisinhas agradam. As pessoas não lêem Camões mas lêem imenso os dejectos que senhores mediáticos, por exemplo apresentadores de televisão e redactores de patetices cor de rosa, segregam. Madames que escrevem parvoeiras, jornalistas que fazem o que chamam romances.
É extraordinário como gostamos de comer merda desde que seja açucarada, é extraordinário percorrer a lista dos best sellers nas livrarias. Isto, claro, não é um fenómeno português, é um fenómeno universal, e nem sequer é recente. Dura desde o século XIX pelo menos, e é fácil de explicar, como é fácil de explicar o sucesso do jornal Correio da Manhã, de certos programas de televisão, de certos políticos, dos espaços sobre futebol que encharcam os ecrãs, das telenovelas miseráveis.
Como dizia uma das minhas tias
– Ó filho escolhe-me aí um filme levezinho que para maçadas basta a vida ou seja é sobretudo um problema de educação e portanto não se queixem dos políticos que nos dirigem.
E depois as casas dos emigrantes não são muito mais bonitas que os Jerónimos, que não têm anões da Branca de Neve de gesso? Deixando esta conversa de parte, para além dos livros publicarei uma antologia desses artiguelhos, que não fazem parte da minha obra mas podem ter qualquer coisa que eventualmente a ilumine, ainda que feita em prosa de escriturário. Claro que a partir de 2020 as ditas crónicas desaparecerão também, quer dizer não as escreverei mais. Em que me ocuparei depois? Quando não estiver a olhar para a parede vazia em frente, que é aquilo que mais gosto de fazer ou, pelo menos, uma das coisas que mais gosto de fazer, tornarei, como aos treze anos, a escrever poesia secreta, só para mim. Ficarão estes livros: foram a minha razão, às vezes a única razão, de facto a única razão. E sei que terei o tempo do meu lado e como dizia Shakespeare
(um chato, claro)
os felizes poucos, que era como Stendhal
(Stendhal era um escritor francês)
acabava os seus livros, em vez de lhes colocar a palavra Fim. Porque a Arte será sempre, e só, para os felizes poucos.