Continuamos sem saber qual será o futuro da lei morte medicamente assistida em Portugal. Desde que foi aprovada em maio de 2023, conheceu a falta de regulamentação que impede a sua aplicação, a queda do Governo de António Costa, um novo pedido de fiscalização no Tribunal Constitucional, e agora a dissolução do Governo de Luís Montenegro. Muitas dúvidas e incertezas continuam a marcar este processo em Portugal. Nos últimos meses, o Reino Unido debateu e votou na Câmara do Comuns uma proposta para legalizar a eutanásia em Inglaterra e no País de Gales pela primeira vez em quase uma década, estando em curso trabalhos para a elaboração de uma lei que reúna um amplo consenso. Contudo, o que nos aproxima e distancia desta nação com quem temos uma grande proximidade, não fosse esta a mais antiga aliança em vigor?
A recente investigação que o projeto Aversion2agony conduziu sobre as atitudes face à eutanásia em Portugal e no Reino Unido, com base em dados do projeto internacional European Values Study, oferece uma visão reveladora sobre os pontos de convergência e divergência entre as duas nações. Os resultados probabilísticos e representativos das populações adultas demonstram que os britânicos têm uma justificação média da eutanásia (6,55 pontos) superior à dos portugueses (4,86 pontos), situando-se 1,69 pontos acima nunca escala de 1 (nunca) a 10 (sempre). Por outras palavras, 42,1% dos portugueses são contra a justificação da eutanásia. Esse valor de rejeição baixa para 19,7% no caso dos britânicos. Por outro lado, são os britânicos que mais aceitam a prática da eutanásia (56,2%), sendo esse valor de 32,8% nos portugueses entrevistados. Os restantes consideram-na admissível para determinadas situações. O que está por trás desta diferença? E até que ponto somos tão diferentes?
A primeira grande distinção está relacionada com os valores culturais e religiosos. O Reino Unido, historicamente mais secularizado e com forte tradição protestante, revela uma maior permissividade em relação à autodeterminação na morte. Por outro lado, Portugal, com uma influência católica muito presente, tende a apresentar uma maior resistência à ideia de eutanásia. Esta distinção reflete-se nos dados: enquanto no Reino Unido a maioria dos protestantes justifica a prática com uma média de 6,18 pontos, em Portugal os católicos registam apenas 4,60 pontos.
Outro fator relevante é o papel do sistema de saúde e dos cuidados paliativos. O Reino Unido foi pioneiro na implementação dos hospices, centros especializados que proporcionam cuidados paliativos de alta qualidade. Esse sistema bem estruturado permite um debate mais informado sobre o fim da vida e pode contribuir para uma maior abertura à eutanásia. Em contrapartida, Portugal ainda enfrenta desafios significativos na disponibilização de cuidados paliativos acessíveis, o que pode gerar receios de que a eutanásia seja vista como uma solução para a falta de apoio médico adequado.
A educação surge como um fator-chave na aceitação da eutanásia. Em ambas as nações, os indivíduos com maior nível de escolaridade tendem a justificar mais esta prática. Isto pode estar associado a uma visão mais informada e reflexiva sobre os direitos individuais e a autonomia na tomada de decisão sobre o próprio fim de vida
Como ainda nenhum estudo tinha avaliado a associação da orientação política nos níveis de justificação da eutanásia, e considerando que os padrões e valores morais tradicionais (tradicionalismo/conservadorismo) estão geralmente situados no espetro político da direita, procurámos perceber se os indivíduos de direita são efetivamente a fração do espetro político com menor justificação da eutanásia. Os resultados foram surpreendentes. Se em Portugal são os indivíduos de esquerda e centro que mais aceitam a prática da eutanásia, no Reino Unido são os indivíduos de esquerda e direita. Portanto, apenas em Portugal os indivíduos de direita são a fração do espetro político com menor justificação da eutanásia. Uma explicação pode ser o domínio do Partido Conservador e no Partido Trabalhista em sucessos governos britânicos.
No entanto, também existem aproximações entre as duas nações. Apesar de as mulheres apresentarem uma justificação média (5,97 pontos) ligeiramente superior à dos homens (5,81 pontos), ela não varia significativamente com o sexo dos indivíduos e é uma tendência em ambas as nações. A análise geracional indica que as faixas etárias mais jovens, tanto em Portugal como no Reino Unido, apresentam um maior nível de justificação da eutanásia. Este dado sugere uma tendência global de mudança de mentalidade, impulsionada por uma maior exposição ao debate sobre direitos individuais e qualidade de vida.
Além disso, a educação surge como um fator-chave na aceitação da eutanásia. Em ambas as nações, os indivíduos com maior nível de escolaridade tendem a justificar mais esta prática. Isto pode estar associado a uma visão mais informada e reflexiva sobre os direitos individuais e a autonomia na tomada de decisão sobre o próprio fim de vida.
De todo o modo, é interessante notar que o apoio à legalização da eutanásia é relativamente próximo nas duas nações: 72,5% em Portugal e 65% no Reino Unido, de acordo com outras sondagens recentes. Contudo, esses dados escondem nuances importantes. Em Portugal, o debate é mais polarizado, com valores extremos tanto a favor como contra a prática, como mostram os nossos dados. Já no Reino Unido, a discussão parece ocorrer de forma mais equilibrada. As perguntas feitas aos entrevistados nessas sondagens nem sempre são as mesmas, entre outros elementos, que impedem comparações diretas.
Desta forma, a nossa investigação demonstra que a eutanásia continua a ser um tema complexo e multifacetado, influenciado por fatores culturais, religiosos, políticos e estruturais. Se, por um lado, os britânicos revelam uma maior permissividade, fruto de um contexto mais secularizado e de um sistema de saúde mais preparado para lidar com o fim da vida, por outro, os portugueses demonstram um crescimento no apoio à legalização, embora ainda marcado por fortes divisões.
O futuro da eutanásia nas duas nações dependerá da capacidade de promover uma discussão informada, que respeite tanto os valores individuais como as necessidades da sociedade. Mais do que uma questão de legislação, trata-se de uma reflexão sobre a dignidade humana e a forma como encaramos o fim da vida.
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