Vamos dar-lhe um nome fictício: Maria.
Há pouco mais de um par de décadas, Maria terminou o seu curso universitário.
Sem grandes recursos financeiros, conseguiu subir a pulso, licenciou-se com excelentes notas e, de diploma na mão, preparou-se para procurar o primeiro emprego.
Redigiu o seu currículo e remeteu-o para dezenas de entidades.
Apresentou-se em entrevistas, fez testes de vária ordem, percorreu quilómetros pelo País à procura de uma oportunidade que viesse coroar os anos de esforço que lhe concederam o tão almejado “canudo”.
Mas a cada quilómetro percorrido, a cada nova tentativa frustrada, começou a perceber que, em diversas situações, os dados não jogavam a seu favor. Múltiplas ofertas de emprego estavam já destinadas e a sensação de estar a percorrer um caminho inglório começou a instalar-se.
A ilusão de que se abrira uma nova e próspera fase na sua vida desvanecia-se quando, a comentar a sua situação, lhe devolviam um “…e não tens uma cunha? É importante ter conhecimentos…”.
Não será arriscado dizer que muitas das pessoas que hoje mesmo estão em idade ativa já se debateram com esta sensação de que nem sempre se consegue alcançar determinados patamares por via do mérito, gerando frustração por sentirem que as regras do jogo são, por vezes, dominadas por algo nubloso e pouco transparente.
Este estado de consciência que atravessa algumas gerações, em regra, mais formadas, mais atentas e mais conscientes, explica muito daquilo que hoje é a perceção acerca do fenómeno da corrupção.
Soubemos há dias que, no Índice de Perceção da Corrupção (IPC) de 2024, publicado anualmente pela Transparency International, Portugal surge na 43ª posição num total de 180 países, o que o coloca diretamente na cauda da Europa Ocidental. Trata-se do pior resultado desde que este Índice começou a ser publicado, em 2012.
Sabendo-se, face ao volume processual real, que Portugal não é um país de corruptos, há, em todo o caso, um caminho a percorrer, que deve ser, definitivamente, um caminho de investimento e, portanto, de AÇÃO, para que não fiquemos apenas enredados, como País, no imobilismo e conformismo gerado pelo impacto negativo das perceções
Mesmo para aqueles que possam questionar o método usado neste cálculo, a verdade é que o resultado não pode ser ignorado.
Este fenómeno é altamente corrosivo das democracias, gerador de desigualdades, de tensões sociais e, como tal, deve estar na linha da frente das prioridades num Estado de Direito.
E esta deve ser também uma preocupação da Justiça, que sempre num plano de independência e de igualdade perante os cidadãos, não pode deixar de prosseguir as suas funções, seja no plano investigatório, seja no plano do julgamento por crimes de corrupção e outros conexos, daí extraindo, sempre em nome do povo, todas as consequências.
Porém, colocar toda a tónica do problema na existência de processos judiciais concretos e a solução no plano da repressão penal, num país onde a perceção relativamente às questões da corrupção estará, como indica o Índice, extremamente enraizada, parece ser um erro.
Ao longo dos anos, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e muitos juízes por todo o território nacional têm vindo a manter contacto com escolas e com alunos de diversas idades, sendo que, na esmagadora maioria dos casos, é percetível que as crianças e jovens em idade escolar têm um nível importante de confiança no sistema, sobretudo quando elucidados de forma simples e compreensível quanto ao seu modo de funcionamento.
Curiosamente, ou não, tendem a baixar os seus níveis de confiança a partir do momento em que começam a dar os primeiros passos na vida ativa.
Com efeito, todos tendemos a desconfiar do que não compreendemos e um passo importante para o combate a uma perceção generalizada é a informação e a comunicação.
No fundo, o plano preventivo será tão ou mais relevante do que a repressão em si, de pouco ou nada relevando os múltiplos mecanismos avulsos que têm vindo a ser gizados e cuja repercussão prática não se faz sentir.
A aposta na educação, na mudança de mentalidades, mas também na transparência e na criação de condições de igualdade e de meritocracia, será certamente a melhor das receitas para se alcançar sucesso nesta matéria.
Não surpreende por isso que a Dinamarca lidere este “ranking”, pois trata-se de um país onde há muito anos se segue uma política consistente de credibilização dos diversos setores de ação do Estado, desde a governação, à Justiça, às polícias, à máquina fiscal, passando pelos diversos serviços locais e centrais do Estado. A tudo isto, e no sentido inverso, a Dinamarca associa ainda uma forte consciência e mobilização dos cidadãos em torno da transparência, da necessidade de manutenção de altos padrões de confiança social e nas instituições e uma baixíssima tolerância à ilegalidade ou à impunidade.
Sabendo-se, face ao volume processual real, que Portugal não é um país de corruptos, há, em todo o caso, um caminho a percorrer, que deve ser, definitivamente, um caminho de investimento e, portanto, de AÇÃO, para que não fiquemos apenas enredados, como País, no imobilismo e conformismo gerado pelo impacto negativo das perceções.
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