1. “Um Governo recém-criado tem de deslumbrar e espantar”, disse Napoleão Bonaparte a um dos seus colaboradores, nos dias seguintes a ter sido eleito primeiro-cônsul de França. “Quando não o fizer, terá falhado.” Nos mais de dois séculos seguintes, muitos governantes levaram à prática este princípio. Em 2024, em Portugal, o candidato e depois primeiro-ministro Luís Montenegro anunciou um programa de emergência para o SNS, para começar a ser aplicado decorridos os primeiros dois meses de governação. Ao mesmo tempo, desdobrou-se em iniciativas para satisfazer diversos setores da administração pública, entre os quais se destacavam os professores e as forças de segurança, no sentido de pacificar a sociedade e obter ganhos reputacionais, relacionados com a eficácia governativa na resolução de problemas bicudos. Parecia deslumbrar. Ambicionava espantar. Teimosamente, porém, as sondagens não disparavam. Nas europeias, até perdeu.
Sabemos o que se passou depois: a seguir a professores e polícias, vieram bombeiros, médicos, enfermeiros e toda a extensa legião de corporações, fazendo o Executivo submergir debaixo de uma bola de neve que não para de crescer. Quanto ao SNS, tendo falhado estrondosamente o tal plano de emergência, acabou por ser objeto de uma gestão errática que deu prioridade à dança de cadeiras, exonerações, demissões e uma instabilidade permanente que já vai no terceiro diretor-executivo, enquanto serviços de obstetrícia e urgências dos principais hospitais encerravam à vez. Provavelmente, poucos fariam melhor do que a ministra da Saúde, Ana Paula Martins. Mas a criação de expetativas, na ânsia de “deslumbrar” e de “espantar”, foi um feitiço que rapidamente se virou contra o feiticeiro. Na semana passada, atacada de todos os lados, a “pior ministra do Governo” – na expressão da deputada bloquista Joana Mortágua – defendeu-se galhardamente, com base, se não tanto na competência própria à frente do ministério, ao menos no argumentário político, nada mau para uma principiante. Combativa, a ministra procura reagir aos rumores que a dão como remodelável e espera, agora, que Luís Montenegro se lembre de outro ensinamento de Napoleão: “A arte de nomear homens [e mulheres, acrescentamos nós] não está sequer próxima de ser tão difícil como a arte de permitir aos que foram nomeados mostrar a sua plena valia.” Dar tempo ao tempo, portanto. Tempo, que é coisa que a ministra não terá.
2. Perdido no seu labirinto, pelo menos no momento em que fecha esta edição, resta ao PS colocar um anúncio nos classificados dos jornais com o seguinte texto: “Admite-se candidato à Presidência da República, nas eleições de 2026. Requer-se experiência política, idoneidade pessoal, serviço militar regularizado, cartão de militante do PS e altura mínima de 1,60m (1,55m se for mulher). Ordenado compatível. Resposta ao Largo do Rato.” Na verdade, os socialistas têm um candidato “de chave na mão”, que quer muito sê-lo e que, em termos de currículo, nada deve, por exemplo, à personalidade apoiada pelo PSD, Luís Marques Mendes. António José Seguro também já foi líder de um grande partido, foi deputado, foi ministro, foi conselheiro de Estado e até eurodeputado (coisa que Mendes não foi), e até presidente de um importante organismo do Estado (CNJ), cargo que também falta a Marques Mendes. No entanto, meio PS retorce-se na cadeira. O homem que (quase) renegou a herança “socrática” e declarou, em entrevista à VISÃO, que António Costa representava “o PS dos interesses”, comprou – se calhar, por isso… – ódios perpétuos no seio do seu próprio partido. Além do mais, o seu perfil algo cinzento e o discurso redondo não empolgam nem entusiasmam – aspetos, porém, em que Marques Mendes não lhe leva vantagem. O PS parece ainda esperar pelo eterno D. Sebastião, António Vitorino, a tal “D. Constança” que tem lugar em tudo quanto é “festa e festança” – e que, depois de muito solicitada, nunca aparece. Por estes dias, Seguro, quando acorda de manhã, deve verificar os sites informativos a ver se, durante a noite, algum socialista avançou. A sua calma aparente – ou nervoso miudinho?… – encerra uma dose de paciência que se mistura com calculismo, antes de dar o golpe de mestre. O tempo esgota-se. Seguro tardou em avançar, para que ninguém o acusasse de não ter dado todas as oportunidades à concorrência interna – e à liderança do partido. Ou de irromper com uma candidatura divisiva. No final, sobrará como o nome óbvio, o único nome, o senador que vai tirar o PS de uma enrascada. Pode estar há muito tempo retirado da política, mas ainda a sabe toda.
Golpe de Vista
Armas em vez de pensões
A pressão de Donald Trump e a crise existencial da NATO está a deixar os líderes europeus à beira de um ataque de nervos. Neste momento, a opinião pública está a ser preparada para prescindir de uma boa fatia do Estado Social a favor do rearmamento. É uma armadilha que deve ser contornada com criatividade. E se declararmos que vamos comprar armamento à China, a América fica-se?…
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