O conceito de desafio (challenge, na língua Inglesa) tem sido amplamente divulgado e discutido academicamente e socialmente. Em dicionários, um desafio é descrito como uma “tarefa ou situação nova ou difícil, que testa a habilidade e capacidades de um indivíduo”. Ou ainda “uma tarefa ou problema que envolve incerteza e que requer capacidades, habilidade, motivação e conhecimento da pessoa que o procura resolver”.
Indo muito para lá do seu verdadeiro significado, a palavra challenge (muito mais que o seu sinónimo português) tem sido utilizada em inúmeros contextos incluindo culinários e enológicos, desportivos, académicos e até de bem estar e motivação pessoal, entre muitos outros.
Mas, para cientistas, desafios são motivadores e alvo de atenção. Descobrir formas de energia alternativas, de melhorar a nossa qualidade de vida pessoal e comunitária, de nos deslocarmos e de comunicarmos mais eficientemente, entre tantas outras, são questões e desafios presentes na cabeça de tantos(as) cientistas.
É necessário demonstrar causalidade (exposição a fatores específicos e maior incidência de certos cancros) e revelar os mecanismos moleculares subjacentes à exposição a tais fatores que permitam compreender como e porquê o aumento dos casos de cancro ocorre e o que poderá ser feito para desenvolver estratégias que protejam as populações em risco
No que à investigação em oncologia diz respeito, há verdadeiros desafios que permanecem por resolver. Um exercício importante começa por ser a sua identificação, o que procurarei fazer nas próximas linhas (evitando ser exaustivo e por isso escolhendo somente dois).
Algumas células têm a capacidade de mudar de “identidade”, tornando-se temporariamente noutro tipo celular, de forma transitória. Esta capacidade, denominada “plasticidade celular” (isto é, conseguirem mudar a sua identidade), garante a estabilidade celular perante insultos externos ou ambientais, nomeadamente durante a reparação dos tecidos que ocorre após um dano (como a cicatrização de feridas, seguida de reparação tecidual). Mas a plasticidade em células cancerígenas pode contribuir para a progressão tumoral e a resistência terapêutica. Em concreto, células cancerígenas expostas a diferentes fármacos conseguem mudar a sua identidade, para um tipo celular resistente à ação desses fármacos. Exemplos desta plasticidade perante exposição terapêutica são frequentes. Uma vez terminado o ciclo de tratamento, as células podem voltar à sua identidade original, promovendo a expansão do tumor e a sua progressão (piorando o prognóstico do(a) doente). A plasticidade em células cancerígenas representa um desafio à eficácia das terapias disponíveis, mas, até à data, os mecanismos envolvidos neste processo são amplamente desconhecidos. É assim necessário compreender de que forma as células conseguem mudar de identidade molecular e celular, que fatores externos e que terapias resultam em maior plasticidade celular e o que pode ser feito para impedir este processo.
Desde os anos 50 do século XX que se observa um claro aumento de certos tipos de cancro em adultos com menos de 50 anos, confirmado em muitos estudos e publicações científicas e clínico-epidemiológicas. Esta clara tendência não pode ser explicada apenas pelo aumento de programas de rastreio, uma vez que a incidência de cancros “de início precoce” como leucemias, cancro da mama e do intestino (cólon), tem aumentado em países com disparidade na implementação de programas de rastreio. Uma possível explicação poderá ser a maior exposição – por parte das gerações mais novas – a fatores ambientais que aumentam o risco de desenvolver cancro, incluindo dieta, menor atividade física, obesidade, consumo de álcool, pior qualidade de sono, maior stress, poluição ambiental e ingestão de microplásticos, entre outros. Mas o desafio, científico e clínico, permanece: é necessário demonstrar causalidade (exposição a fatores específicos e maior incidência de certos cancros) e revelar os mecanismos moleculares subjacentes à exposição a tais fatores que permitam compreender como e porquê o aumento dos casos de cancro ocorre e o que poderá ser feito para desenvolver estratégias que protejam as populações em risco.
Escolhi dois exemplos de desafios científicos e clínicos ainda por resolver, na área da Oncologia.
Outros desafios, como a dificuldade no acesso aos melhores diagnósticos e tratamentos disponíveis em certas regiões do mundo e para certos grupos étnicos, bem como a dificuldade em diagnosticar e em tratar a formação de metástases, são também alvo de muita atenção pela comunidade científica. E representam desafios clinicamente importantes.
Desafios representam problemas e geram incerteza, mas encontrar soluções é – afinal – o que os(as) cientistas sabem fazer.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.