Não sei como foi convosco, mas comigo, a notícia de que ia ser pai precipitou uma série de decisões impactantes, seguidas de pensamentos e divagações sobre temas mais mundanos ou básicos, mas relevantes para o dia-a-dia da nova realidade que vamos ter a sorte de viver.
Apesar de desejada e planeada, foi somente na altura em que soube da gravidez que me comecei a debruçar, verdadeiramente, sobre tudo o que iria mudar e do real impacto que um bebé trará à nossa existência. De facto, deverá haver poucos momentos tão disruptivos e definidores da nossa vida, como ter um filho. Então, dado ser necessário tempo e disponibilidade, decidi despedir-me, naturalmente. Já sei, já sei – “A tua mulher engravida e decides despedir-te!? Não me parece muito avisado” – eu explico, sucintamente.
Ora, o meu anterior emprego passava essencialmente por deslocações pelo país e ao estrangeiro, umas largas dezenas de vezes ao ano. O trabalho era interessante, mas afastava-me de casa demasiado tempo, algo que além de injusto para com o amor da minha vida, iria significar também perder todos aqueles momentos perfeitamente “patetas”, que hoje em dia os pais adoram partilhar nas redes sociais. “First things, first”, outra entidade irá apreciar o meu trabalho e contratar-me.
“Ok, João, fixe para ti. Mas o que tem isso a ver com o título do artigo?”
Certo. Acontece que também coabitamos com uma cadela, que de repente passou a ter-nos só para ela, 24/7. Um pouco ao estilo do que aconteceu durante o confinamento, mas com ainda mais disponibilidade para lhe prestarmos atenção. Ou seja, uma situação que aos olhos da cachorra é perfeita, mas que se irá reverter, de forma repentina e irreversível, daqui a muito pouco tempo. Então, como se não devesse ser óbvio para um veterinário, lembrei-me que talvez pudesse ser importante ir adaptando gradualmente a vida caseira e lúdica da nossa cadela, com o intuito de evitar (ou pelo menos minorar) um choque demasiado grande, aquando do nascimento da criança.
“Mas João, os cães pressentem a gravidez e são super protectores e tal…”
Ok, ok. Genericamente, sim. Já no nosso caso, ela não está nem aí, além de habitualmente reagir mal a elementos estranhos ao seu espaço. Acima de tudo, se o vosso cão for muito dependente e mimado, é fulcral fazerem um “desmame”. Podem começar por ir moldando, gradualmente, a sua rotina ao estilo da que calculam vir a ter. Por exemplo, se vos parece provável que as idas a rua venham a ser em horários diferentes, comecem a habituá-lo à nova agenda.
Experimentem também fazer o exercício de passarem parte do tempo junto ao futuro berço, educando-o a ficar sossegado e em silêncio, numa caminha preparada para ele. Pode ajudar bastante que ele tenha o seu próprio espaço no quarto do bebé, e caso necessitem de fazer alterações à organização da casa e realojamento dos seus locais de repouso, façam-no com antecedência, para que ele se habitue e não associe essa mudança à chegada do vosso bebé.
Nisto, o reforço positivo é importante. Podem recompensá-lo com mimos ou biscoitos (com moderação ou, idealmente, podem simplesmente dar-lhe um bago de ração a cada vez), sempre que ele obedeça ao silêncio, quietude, ou até mesmo ao estar fora do vosso colo, que caso seja um cachorro de colo ou muito habituado a usufruir, vai ter de aprender e aceitar o novo modelo de convívio.
Permitam ao vosso cão deslocar-se pelo quarto do bebé, cheirar o berço, as roupas, podendo inclusivamente utilizar, uma vez por outra, os toalhetes que irão utilizar no bebé para lhe limparem o focinho ou as patas. Relevante também, poderá ser repetirem o nome da criança, associada a reforço positivo, enquanto lidam com as roupinhas ou elementos que lhe venham a pertencer.
Caso o vosso cão seja reactivo a ruídos estranhos ou aparelhos de movimento, se decidirem ter “embaladores” automáticos, luzes de presença com som ou quaisquer outros equipamentos novos, liguem-nos diariamente por algum tempo, permitindo que ele se acostume e se habitue, inclusivamente, a estar em repouso e a dormir, ainda que os aparelhos estejam ligados.
“Ok, João. Mas sou pessoa de gatos, não de cães…”
Muito bem, gatos! Ora, por vezes temos a sensação de que eles andam meio alheados, pulando de prateleira em prateleira no seu pequeno mundo, interpretando tudo de uma forma que não conseguimos exatamente compreender.
Pois bem, apesar de ser um pouco isso, temos de nos recordar que os gatos são bastante sensíveis a mudanças no meio ambiente. Neste caso, não só a organização da casa vai sofrer alterações, como também será introduzido um novo membro familiar. Ou seja, poderá revelar-se importante promover todas as alterações de mobiliário e reorganização de espaço, com alguma antecedência relativamente ao nascimento (4 a 6 meses), de maneira a que haja um intervalo confortável para estabilização entre eventos. Mais uma vez, é também importante que o vosso gato se vá familiarizando com os futuros cheiros, sendo que poderão inclusivamente fazer lavagens da vossa roupa com o detergente que irão usar na do bebé.
Geralmente, os gatos costumam reagir bem à chegada de um bebé, não deixando no entanto de valer a pena acautelarem-se, fazendo tudo com calma e não de forma repentina. Introduzam os elementos novos ao longo de um ou dois meses, especialmente se os “lugares sagrados” do vosso gato sofrerem alterações, tendo muita atenção, ao longo do processo, a eventuais alterações comportamentais, que deverão ser posteriormente avaliadas por um profissional.
Desta feita, caros leitores, dou por concluída a “Parte I – Pré-natal”, restando-me agora esperar pelo nascimento do nosso filhote, para vos trazer mais novidades relativas à nova dinâmica cá de casa, tal como algumas dicas no que concerne ao convívio interespécies, em particular entre a bicharada e os vossos bebés.
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