Para uma alfacinha de gema, nascida e criada na cidade, Lisboa está difícil de entender. Os sentimentos são mais que muitos, e não só vêm misturados como nos trazem razões que a própria razão desconhece. As emoções, já sabemos, condicionam a forma como olhamos para os factos e interpretamos o que está a acontecer; no fundo, também influenciam o modo como lemos o mundo, o que é ótimo, mas convém estarmos cientes disso na hora de fazer avaliações. Facto 1: Lisboa está cheia de turistas, que querem visitá-la porque veem nela características que poucas cidades têm, e isso é bom por vários motivos. Facto 2: Muitas das zonas de Lisboa que estavam degradadas hoje estão arranjadas e livres da ruína. Facto 3: Depois da tragédia da pandemia, batem-se novos recordes de atividade turística, Lisboa retém uma boa parte desses proveitos económicos e só o Algarve ainda não conseguiu recuperar, de acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística.
Elencámos três factos, podíamos elencar outros tantos. A começar pela ideia de Lisboa ser, cada vez mais, várias Lisboas dentro de uma só, capaz de agregar muitas culturas, muitas línguas, muitas nacionalidades, muitos modos de viver: brasileiros e angolanos, chineses e ucranianos, americanos e franceses, sírios, nepaleses… E isto é tão ou mais importante quando acontece sem que haja grandes tensões sociais, numa altura em que metade do mundo – em particular, do “nosso” mundo europeu – se confronta, de forma pouco pacífica, com o outro que é diferente de nós apenas e só porque, circunstancialmente, nasceu noutro lugar. O passado histórico das caravelas quinhentistas não foi tão glorioso quanto o livro único da escola do Estado Novo o pintava, mas a questão de isto estar a acontecer da maneira como está a acontecer, em 2023, devia comover-nos e encher-nos de orgulho – orgulho nacional aqui, sim, justifica-se!