A saúde mental está hoje no centro da discussão pública. Das notícias frequentes nos órgãos de comunicação social às campanhas publicitárias centradas no tema, passando pelo debate político em que se afirma a saúde mental como uma prioridade, todos parecem ter acordado para o problema. Mas terão percebido a sua verdadeira dimensão?
Embora a pandemia tenha amplificado o sofrimento psicológico das pessoas, a elevada taxa de doença mental em Portugal não surgiu agora. Quando, em 2013, foi publicado o último grande estudo epidemiológico, já Portugal se revelava como o segundo país da Europa com maior prevalência de doença mental, atrás da Irlanda do Norte. No nosso país, mais de um em cada cinco indivíduos apresentou uma perturbação psiquiátrica nos 12 meses anteriores à entrevista. Ao longo da vida, a probabilidade de ter uma perturbação de ansiedade era de uma em cada quatro pessoas e de ter depressão correspondia a uma em cada cinco. Se estes números já eram preocupantes, a pandemia veio agravá-los, estimando-se, em 2021, um aumento do número de casos a rondar os 30%.
As consequências não se restringem à saúde mental. Ainda que o grande sofrimento psicológico ou os desfechos irreversíveis, como a morte por suicídio, devessem ser o suficiente para chamar a atenção de quem desenha as políticas de saúde, há que lembrar que as doenças mentais também têm impacto na saúde física. Por exemplo, ter depressão agrava o estado geral de saúde, aumentando, por exemplo, o risco de doença cardiovascular ou de diabetes, e diminuindo a esperança média de vida.
Escusado será dizer que uma maior carga de doença custa ainda mais dinheiro em saúde. Mas não ficamos por aí – a doença mental tem ainda grandes impactos económicos. A depressão é a principal causa de dias de vida doente no mundo e de incapacidade para o trabalho em Portugal (e também a que sai mais cara!). Resulta em absentismo, com custos para o estado e para as empresas, mas também em presentismo, com diminuição da produtividade de quem vai trabalhar.
As políticas de saúde mental podem representar um benefício muito maior do que os seus efeitos mais próximos. Arquimedes disse: “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo.” Melhorar os indicadores em saúde mental representaria uma alavanca para melhorias em todo o sistema de saúde, mas também no mundo do trabalho e na economia. Estarão as políticas de saúde a ser o ponto de apoio necessário para que as melhorias sistémicas ocorram? A resposta é não – pelo menos até agora.
Em 2013, estimava-se que 60% das pessoas com doença mental não obtinha tratamento – números anteriores à pandemia, que agravou as lacunas existentes nos serviços de saúde. É nos cuidados de saúde primários que é tratada a maioria das pessoas com perturbação psiquiátrica (como depressão e ansiedade). No entanto, a escassez de médicos de família tem vindo a aumentar. Ao mesmo tempo, a quase inexistência de psicólogos nos centros de saúde limita as intervenções terapêuticas.
Quanto aos serviços hospitalares, a situação também não é fácil. Aliás, quando o médico de família decide referenciar um doente à psiquiatria, só 10% das referenciações resultam numa consulta, o que se relaciona com a insuficiência de recursos humanos, também expressa no aumento recente do tempo de espera para uma primeira consulta que, em alguns casos, excede os seis meses. Em paralelo, os serviços de urgência de Psiquiatria têm visto a sua afluência aumentar e os serviços de internamento apresentam taxas de ocupação próximas ou superiores a 100%, levando a que muitos doentes tenham de ficar internados no serviço de urgência a aguardar vaga.
Para fazer face a todos estes problemas, tomou posse em 2022 a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental, que herdou a maioria das medidas do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, por implementar, às quais acrescentou aspetos relacionados com a reorganização dos serviços. Entre estes, está a criação de 40 novas equipas comunitárias, que irão beneficiar da parcela do Plano de Recuperação e Resiliência, de 88 milhões de euros, dedicada à saúde mental. Essa verba inclui ainda a construção de quatro novos serviços de internamento de agudos, à medida que se encerram as camas em hospitais psiquiátricos (fica por saber como se resolverá o atual problema da carência de vagas, quando, de acordo com o plano atual, o número total de camas irá diminuir).
Trata-se de um investimento avultado – mas será a escolha de prioridades mais adequada, face aos problemas expostos? Irá aumentar o acesso a cuidados de saúde mental à generalidade da população? Que estratégias serão usadas para captar médicos de família e especialistas em Psiquiatria, sobretudo para as regiões mais carenciadas? Quando irão ser contratados mais psicólogos, em particular para os cuidados de saúde primários?
Dar respostas a todos estes problemas não é uma tarefa fácil. A saúde mental é um determinante da saúde pública e pode alavancar melhorias que transcendem a saúde. É altura de pensar as políticas de saúde mental e os respetivos investimentos, de forma a transformá-los num ponto de apoio que faça, finalmente, funcionar esta alavanca.