O conflito pode definir-se como um processo de divergência de interesses, objetivos ou prioridades entre indivíduos, grupos ou organizações, em que pelo menos uma das partes se sente negativamente afetada. Pode ser entendido como algo natural em ambientes diversificados onde existem diferentes personalidades, valores, níveis de conhecimento, expetativas e perceções.
Enquanto o conflito pode ser construtivo no sentido de melhorar a comunicação, a coesão e a produtividade das equipas e proporcionar soluções mais integrativas e inovadoras, também pode tornar-se disfuncional, deteriorando relações e prejudicando o desempenho de projetos e organizações, com significativos atrasos e custos acrescidos. O segredo está na forma como os conflitos são geridos, preventiva ou reativamente, de modo a maximizar benefícios ou mitigar prejuízos, evitando sempre uma escalada negativa.
Neste sentido, a Construção destaca-se como uma das indústrias mais desafiantes.
A sua maior propensão deve-se a fatores como a complexidade e diversidade da cadeia de valor, composta por agentes com diferentes propósitos e níveis de formação e qualificação (desde o dono da obra a projetistas, consultores, empreiteiros, subempreiteiros, fiscalização, entidades licenciadoras e reguladoras, etc.), a volatilidade do mercado e a pressão de custos e prazos, agravada cada vez mais com o défice de materiais e, principalmente, mão-de-obra.
Os conflitos na construção surgem frequentemente devido a: desresponsabilização de erros de projeto (arquitetura e engenharias), que são transferidos para a fase de obra, onde já tende a existir prazos e orçamentos exigentes; alterações de projeto; insuficiência, ambiguidade ou incumprimento de especificações e requisitos contratuais; ausência ou inadequação de procedimentos de controlo de qualidade e segurança; e deficiências na comunicação e colaboração, baseada normalmente em métodos arcaicos.
As consequências podem ser significativamente desfavoráveis em termos económicos e reputacionais, no curto e longo prazo, ao nível dos intervenientes, dos projetos e das empresas, principalmente mediante processos judiciais morosos, custosos e desgastantes para as partes, onde, no final, de uma maneira ou de outra, todos saem a perder, em particular o cliente.
Os conflitos podem ser resolvidos, além da via judicial, diretamente entre as partes envolvidas, via negociação, ou com recurso a terceiros, dependendo da vontade dos participantes, via mediação ou conciliação (para facilitar um acordo), avaliação neutral ou arbitragem (para emitir um parecer ou decisão).
Por motivos de celeridade, custos, confidencialidade e preservação das relações, mostra-se que a via negocial, em primeira instância, é a melhor opção. O seu sucesso, contudo, está condicionado ao momento no tempo (o mais cedo possível, evitando ignorar e deixar escalar), ao real entendimento da situação (avaliação objetiva do estado e da origem, promovendo uma escuta e comunicação ativa) e ao compromisso e empenho das partes em colaborar, com a consciência de que a solução final, pelo menos no imediato e para o caso em particular, poderá não ser win-win.
A capacidade para o setor da construção se organizar em torno de uma estratégia eficaz para a prevenção e resolução de litígios é um fator de enorme relevância para todas as partes interessadas, em particular para os promotores e investidores, atendendo aos potenciais impactos sócio-económicos inerentes a uma escalada de conflito, principalmente se resultar num processo judicial que poderá demorar não menos de 10 anos.
Ao nível dos projetos, a adoção de modelos de contratação que promovam a colaboração, e a definição de termos contratuais com âmbito e responsabilidades bem explicitados e com incentivos ou penalizações dependendo do desempenho, designando ainda um método formal para a resolução de litígios, é de crucial importância para a gestão de conflitos. Casos como o Reino Unido, a Nova Zelândia e os EUA destacam-se por já desde há mais de 20 anos terem avançado com iniciativas relacionadas com a normalização de modelos de contratos de construção para melhor gerir a relações e interfaces entre os diversos intervenientes.
Ao nível organizacional, é recomendável investir em formação especializada, desenvolver procedimentos de qualidade e promover uma comunicação ativa, assim como recorrer a tecnologias digitais para facilitar a gestão da informação, minimizando erros e mal-entendidos. A aprendizagem com base nas melhores práticas internacionais e o controlo documental e de registos assumem especial relevância em matéria de gestão de litígios.
Ao nível nacional, a revisão do Código dos Contratos Públicos (CCP) e de outra legislação relevante, recorrendo à experiência da indústria, e a promoção dos conceitos de revisão de projeto e de dispute resolution boards (prática internacionalmente reconhecida), a realizar por entidades acreditadas, estão entre as medidas que poderiam ser tomadas.
Posto isto, a importância do conflito não deve, de modo algum, ser diminuída. Todos, sem exceção, devem evoluir no sentido de adquirir ou consolidar técnicas de prevenção e resolução de conflitos, questionando-se ainda: qual é o valor de uma relação, hoje e amanhã?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.