Nos últimos tempos temos assistido a um grande aumento nos preços dos combustíveis. É óbvio que isto traz grandes dificuldades, não só para aqueles que precisam de usar carro, mas, de uma forma geral, para todos. Quase todos os produtos que consumimos, sejam alimentos, detergentes ou roupas, só para dar alguns exemplos, incorporam nos seus preços o custo do transporte. Logo, se a gasolina aumenta, há muitos preços que vão aumentar também.
O assunto não é simples, e o problema não é apenas nem sobretudo português.
Aquilo que é especificamente português, é um Governo que, em vez de procurar soluções, só tenta passar as culpas. Só isto pode explicar que no espaço de algumas semanas o Governo tenha ensaiado explicações completamente contraditórias quer quanto ao que se está passar, quer mesmo quanto ao que planeava fazer. Numa versão inicial, a culpa era das grandes empresas petrolíferas. Mais tarde, este Governo não tinha feito qualquer alteração da fiscalidade e, no final da semana passada, o Governo acabou mesmo por mexer mesmo na fiscalidade, mas de forma tão ténue que só durante dois dias se conseguiu sentir algum alívio no preço final.
Na política, como na vida, convém ter memória.
Em fevereiro de 2016, perante um preço do petróleo histórica e transitoriamente baixo, o Governo de António Costa, então recém-eleito, decidiu aumentar o imposto sobre os combustíveis (ISP) em seis cêntimos, prometendo ainda uma revisão regular dos valores deste imposto quando o petróleo voltasse a subir. Não cumpriu.
Ou seja, quando o petróleo estava alto, os cidadãos pagaram um preço mais alto; quando o petróleo desceu, em 2016, os preços não desceram porque o Governo aumentou os impostos para garantir que a receita do Estado se mantinha sempre a mesma. E quando o petróleo voltou a subir, nos anos seguintes, a promessa de neutralidade fiscal e de revisão do imposto foi esquecida. Aliás, a falta de memória foi ao ponto de o primeiro-ministro ter garantido no Parlamento que não tinha havido qualquer alteração da fiscalidade dos combustíveis por parte do Governo, e que o custo tributário que estava a subir era o da taxa de carbono. Garantia manifestamente falsa, como aliás foi classificada pelo Polígrafo.
Na política, como na vida, convém encarar os factos com realismo.
De cada vez que um depósito de gasolina é abastecido, mais de metade do dinheiro que se paga é para o Estado. Ou seja, já não é fiscalidade dos combustíveis; já é literalmente muito mais fiscalidade do que combustível!
Acresce que, sem impostos, os preços dos combustíveis em Portugal estão em linha e são, nalguns casos, até mais baixos do que os praticados lá fora. É quando são adicionados os impostos que nós ficamos com um dos preços de venda ao público mais elevados da Europa. Por isso, para começar a tratar com seriedade o problema que o aumento do preço do petróleo pode gerar, é preciso olhar com seriedade também para o excesso de impostos sobre os combustíveis. E, já agora, para falar com seriedade de alívio fiscal para a classe média, convém olhar também para este assunto.
Por isso, parece-me que o anúncio do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de baixa ligeira do ISP vem tarde e a más horas, e é muito menos do que era preciso. Além da contradição quase inacreditável de ter um anúncio destes na sexta, e uma entrevista do ministro da Economia publicada no dia seguinte a dizer que não estava prevista nenhuma alteração nessa matéria. É o retrato acabado de um Governo sem estratégia.
Na política, como na vida, quem não faz ideia para onde quer ir, arrisca-se a andar em círculos sem chegar a lado nenhum.
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