Com a chegada do verão, o Governo tem-se multiplicado em anúncios de verbas e investimentos na execução do famoso PRR – Plano de Recuperação e Resiliência. A mensagem subjacente a todos estes anúncios parece-me bastante simples: há dinheiro para gastar e o primeiro-ministro está com pressa de passar os cheques. Se o dinheiro vai ser gasto da melhor forma, se os investimentos feitos vão ser reprodutivos e se o setor privado (sobretudo o mais afetado pela pandemia) vai ser compensado, são perguntas que o Governo prefere que não sejam feitas. Até porque as respostas não seriam animadoras e poderiam perturbar o clima eleitoralista que se quer instalar.
Aliás, a filosofia do Plano é precisamente apostar no setor público como motor da economia. É o setor público que fica com a parte de leão dos fundos, relegando a iniciativa privada para o papel de sócia minoritária dos empreendimentos, a navegar entre o habitual mar de burocracia e procedimentos associados às candidaturas. É verdade que o setor público vai precisar de contratar empresas privadas para realizar muitos dos investimentos, mas isso significa apenas que mais uma vez, como infelizmente já aconteceu muitas vezes no passado, serão as empresas habituadas à contratação pública e adaptadas a terem o Estado como grande cliente que sairão beneficiadas. Os setores mais dinâmicos, o setor exportador e as empresas que não trabalham para o Estado ficarão para segundo plano. É esta a visão clientelar que o Governo tem para a economia portuguesa. Não é um erro novo, mas é um erro trágico.
Sobretudo porque os fundos europeus não são eternos e porque, ao contrário da ideia que tem passado, terão de ser pagos com recursos próprios europeus, cujos contornos não estão ainda completamente determinados, mas que se traduzirão provavelmente em impostos europeus. Que os cidadãos e as empresas portugueses terão também de pagar.
Aliás, os anúncios não se limitam apenas às verbas que virão da Europa. Ao mesmo tempo que apregoa um dos maiores investimentos de sempre na modernização da Administração Pública, aparentemente a única reforma a que esse investimento levará é à contração de mais funcionários.
O número de funcionários públicos tem aumentado todos os anos desde 2015, e no primeiro trimestre deste ano, aproximava-se bastante dos níveis de 2011. Esta semana, o Governo anunciou já uma nova vaga de contratações na Função Pública e mais dinheiro no próximo Orçamento para aumentar os seus salários.
É evidente que há áreas da Administração Pública carentes de recursos humanos, mas não é menos óbvio que a digitalização e, sobretudo, a simplificação de procedimentos (absolutamente necessária) levarão a que algumas funções se tornem supérfluas. Também a descentralização, abundantemente proclamada, mas ainda longe de ser uma realidade, terá necessariamente de levar a grandes alterações na Função Pública. Não é possível apregoar a passagem de várias competências essenciais para a administração local, mas depois querer deixar intocadas todas as estruturas e grandes direções gerais que geriam essas mesmas competências na administração central.
É por tudo isto que me parece que o conjunto destes anúncios nada tem que ver com uma visão reformista, nem tão-pouco com uma ideia para o País. Eles traduzem sobretudo um objetivo eleitoralista e uma tentativa de disfarçar a crise que vivemos com dinheiro e pacotes de medidas megalómanas. É uma receita que já vi um outro governo do Partido Socialista experimentar numa crise anterior. E, lamentavelmente para todos nós e para Portugal, o final não é nada feliz.
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