Ao longo dos últimos meses, temos continuado a viver a pandemia entre anúncios de “bazucas” e promessas de apoios. Certamente bem longe da propaganda oficial, a OCDE fez uma análise do que aconteceu às pequenas e médias empresas em tempos de Covid, analisando mais de 30 países com factos e números. O resultado para Portugal é demolidor.
A realidade dos números é impressionante. Olhando para a percentagem de PME que receberam apoio do Estado, Portugal está nos últimos lugares do ranking da Europa, com apenas a Eslováquia e a Hungria com menor percentagem de empresas apoiadas. Apenas 21% das nossas empresas receberam alguma forma de ajuda direta do Estado. Ou seja, só cerca de um quinto das empresas. Em Espanha, este valor foi de 31%, na Alemanha, 39%, na Itália e no Reino Unido, de 54% e na Grécia, de 58% das PME.
Também o apoio às PME em percentagem do PIB se ficou em Portugal pelos 3,6% do PIB. Um esforço muito inferior ao de outros países como a Grécia (13,9%), a Alemanha (12,8%), a Itália (6,4%) ou mesmo a Espanha (3,8%). Aliás, na Europa, só dois países fizeram um esforço inferior ao português: a Hungria e a Finlândia. Convém aqui lembrar o grande peso quer das PME no nosso tecido económico, quer do setor do turismo, que nos tornou particularmente afetados pela pandemia. Ou seja, o normal é que o esforço português fosse dos mais altos, e não dos mais baixos.
A análise da quantidade de PME “esquecidas”, ou seja, PME que tiveram 40% ou mais de quebra de vendas e não receberam qualquer apoio, é também reveladora. Em Portugal houve mais de 25% de empresas esquecidas nesta situação impossível. Para encontramos percentagens mais elevadas de empresas nesta situação, temos de olhar para fora da Europa, para países como a Turquia ou o México.
Em suma, no que toca ao apoio à economia real, que foi obrigada a encerrar pelo Estado por razões de saúde pública, Portugal está na definitivamente na cauda da Europa.
E é este facto que torna ainda mais incompreensíveis os planos do Governo de apostar quase todas as fichas da chamada “bazuca” no Estado, empresas públicas e administração pública.
Em primeiro lugar, há aqui uma divergência de fundo. Não acredito numa economia dependente de subsídios, em que o Estado decide quais os setores a desenvolver e quais a esquecer. Numa situação de normalidade, entendo que todos os estímulos às empresas devem ser transversais (desde logo fiscais, com menos carga fiscal), deixando a economia e as empresas desenvolverem-se de acordo com a sua vontade e a dos consumidores, e não de acordo com um iluminado plano governamental. Além disso, do ponto de vista prático, num país com os problemas de corrupção que Portugal tem, os estímulos sem necessidade de escolhas e carimbos parecem-me bem mais prudentes.
Não havendo vontade para isso, e preferindo quer o Governo, quer a Europa os estímulos sob a forma de subsídios com decisão caso a caso, parece-me evidente que a generalidade dos apoios devia ser canalizada para o tecido produtivo e as empresas. Não é isso que vai acontecer: apenas 30% do famoso PRR será para as empresas.
Ou seja, depois de ter feito um esforço muito inferior à generalidade dos países da Europa a compensar as empresas pela paragem forçada que tem sido imposta na pandemia, a opção do Governo português é de estimular a recuperação económica sobretudo através de despesa na própria administração pública.
É uma opção tão errada quanto inexplicável. E significa que vamos mais uma vez cometer os erros do costume. Um grande plano de obras públicas (muitas das quais, aliás, sem noção de quanto custarão a sustentar no futuro). Um grande investimento na modernização da administração pública sem nenhuma análise de qualidade do serviço prestado. E uma enorme despesa a concretizar, sobretudo, através da contratação pública e de empresas especializadas em navegarem os corredores do poder.
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