A erosão da direita democrática não preocupa todos os democratas. Estranhamente, há quem entenda que as vestes de esquerda são uma demissão do problema da captura crescente de parte do PSD por uma agenda antidemocrática, como se a direita fosse preocupação da direita e não do regime. A solidez da democracia depende da putativa alternância entre blocos com adesão evidente ao Estado de direito, pelo que não pode ser indiferente a ninguém que o limite ético de Rui Rio para uma aliança com o CHEGA não seja o próprio CHEGA, um partido em rutura com a Constituição, aliado do racismo e da xenofobia e garante da força formidável contra os fracos. A retórica oriunda de várias frentes de normalização dos discursos aconchegantes de uma futura frente de direita PSD/CHEGA (o CDS está, infelizmente, em extinção) passa por piruetas variadas, sendo a mais usual a de vender uma simetria entre a Geringonça e a tal frente de direita, como se ao projeto comum, democrático e progressista, que levou ao entendimento dos partidos de esquerda, se pudesse contrapor um qualquer projeto para o País integrador de um partido em que se debatem a pena de morte e a castração física. Os extremismos simétricos são uma invenção funcional que agrada ao verdadeiro extremismo, pronto para destruir por dentro a casa onde nasceu, indiferente, claro, à redução global do espaço da direita, porque essa redução global é o seu próprio crescimento.
Se é verdade que o combate mais eficaz a quem gostaria de uma Constituição amiga do trabalho forçado, do racismo, da xenofobia e de penas degradantes é aquele que for feito pela direita democrática, é essencial que não seja indiferente à esquerda o futuro da sua oposição, porque o futuro da democracia nunca nos pode ser indiferente.
Esteve bem, por isso, António Costa quando afirmou que não se pode entender com um PSD que se entende com o CHEGA. Se, para alguns, a insistência do secretário-geral do PS no diálogo à esquerda é antirreformista, há quem valorize o facto de não ser indiferente a quem quer governar a indiferença alheia à rutura com a democracia. Traçar fronteiras com quem não as traça em relação à extrema-direita é um imperativo ético-democrático. Cabe ao PSD saber de si, lutar pelo grande partido que é e ser propositivo no campo normal da política que, em cada concretização legislativa, nos pode unir. Os democratas, todos os democratas, querem certamente um combate a quem nos nega e que, nesse combate, resultem límpidos os partidos que nunca, em décadas, traíram a Constituição, os direitos humanos, enfim, o regime.
(Opinião publicada na VISÃO 1475 de 9 de junho)