As comemorações do 25 de Abril foram, como é habitual, palco de vários discursos na Assembleia da República. A expressão de grandes intenções é o costume destas comemorações, e este ano não foi exceção. Contudo, acho que a situação excecional que atravessamos mereceria mais atenção do que a que vimos na maioria dos discursos.
Em primeiro lugar, num dia que é normalmente escolhido para se assinalar a liberdade, seria bom lembrar que estamos a habituar-nos a conviver com limitações à liberdade que seriam impensáveis há pouco mais de um ano. Atualmente, coisas tão simples, como sair de casa ou estar com a família, e tão complexas, como acompanhar um doente ou passar por um luto, deixaram de ser atos livres. Embora perceba a dificuldade de se fazer escolhas políticas quando o que está do outro lado da balança é a saúde pública, é sempre vital lembrar que a situação é, de facto, excecional e não pode ser normalizada.
Mais, convém também não esquecer que, para muitos, estas limitações tornam impossível o trabalho, encerram negócios e inviabilizam o modo de ganhar a vida. São sobretudo estes últimos que me parecem ser os mais esquecidos, quer nos discursos quer nas políticas. Posso perceber que não é possível ter políticas públicas que neutralizem totalmente os impactos da pandemia, sobretudo num país que tem uma das maiores dívidas públicas da Europa e uma economia com uma grande exposição ao setor do turismo, um dos mais afetados pela pandemia. Mas a verdade é que podíamos ter feito muito mais e que a nossa resposta orçamental foi, de facto, curta. O Programa de Estabilidade prevê que as principais medidas de combate à Covid-19 custem, em 2021, cerca de 5 100 milhões de euros. Em 2020, o efeito orçamental direto das principais medidas foi ainda inferior, cerca de 4 500 milhões de euros. Ou seja: somados os dois anos, não chegamos aos 10 mil milhões de euros de resposta. Mas, se olharmos para os pagamentos suspensos em moratórias, o Banco de Portugal estima que teremos 11 mil milhões de euros durante a pandemia, e as linhas de crédito devem ultrapassar os 8 mil milhões de euros. Ou seja: a maioria da resposta ainda não foi dada, foi a crédito e empurrada para a frente sob a forma de contas a pagar. Esta conta vai, sobretudo, recair na iniciativa privada e nos trabalhadores por conta própria.
Ao mesmo tempo, em 2020, a economia portuguesa conheceu a maior recessão desde que há registo. E se este facto pode ser atribuído à pandemia, também temos de reconhecer que Portugal passou do 16º lugar, em 2000, para o 20º lugar, em 2019, no índice de PIB per capita na União Europeia, bem antes da pandemia.
É este o ponto em que estamos. Daí ser particularmente incompreensível para mim que a maneira de sairmos daqui não esteja presente em todos os discursos e em todas as comemorações. Estes números mostram que Portugal tem criado muito mais dívidas do que oportunidades de crescimento, e se não formos capazes de corrigir esta falha estaremos a hipotecar o futuro de várias gerações.
Por isso, é inaceitável que os planos governamentais para o futuro não tenham o crescimento económico e a iniciativa privada como grandes objetivos. Em vez disso, temos um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que vê o investimento público, ou melhor, o gasto público, como o único e grande objetivo e o motor do crescimento económico. Apenas 30% do plano está dirigido para as empresas, enquanto a máquina da Administração Pública consome uma parte substancial do plano. Por exemplo, o Governo prevê gastar quase três vezes mais a digitalizar a própria máquina do que na digitalização de todas as empresas de Portugal. Ao mesmo tempo que prevê também um aumento da massa salarial do Estado de mais de 3 mil milhões de euros, de 2021 a 2025, mais do que o total gasto com alguns dos pilares do tal PRR.
Este é o retrato de um Governo que considera que a grande oportunidade a oferecer às próximas gerações é o funcionalismo público e que merece a oposição de todos os que acreditam que Portugal pode ser muito mais do que isso.
(Opinião publicada na VISÃO 1469 de 29 de abril)