Numa das unidades curriculares do mestrado em Estudos Africanos, do ISCTE, que estou a frequentar, foi pedido que conseguíssemos poetizar a ação humanitária. A partir de uma fotografia que tirei em Metuge, pacato distrito da Província de Cabo Delgado, no extremo nordeste de Moçambique, situado no lado oposto da bela baía de Pemba, que é uma das imagens de marca da cidade outrora batizada de Porto Amélia, escrevi umas linhas em tom poético. Gosto muito de fotografia, mas custa-me captar momentos de pessoas em sofrimento, pois é muito mais fácil capturar sorrisos, alegria e felicidade do que sentimentos negativos.
Desde o início deste problema, inicialmente denominado como ataques de insurgentes, e que agora são assumidos como ataques terroristas, em Cabo Delgado, a 5 de outubro de 2017, que testemunhei algumas situações bastante pesadas. Numa das visitas a Mocímboa da Praia, quando ainda era possível aqui chegar percorrendo de carro 350 km desde a cidade de Pemba, vi casas que tinham sido incendiadas na noite anterior, ainda a fumegar, nas aldeias de Ntotwe e Manilha, e vi pessoas dessas aldeias a fugir com os poucos bens que conseguiram agarrar, embrulhados em panos coloridos, as chamadas capulanas, mas não consegui fotografar, apesar trazer a máquina fotográfica nas mãos.
Não consegui fotografar pessoas, apenas as improvisações de casas feitas com material local e que de pouco servirão quando a água começar a descarregar com força já nos próximos dias, marcando o início da época das chuvas
Recentemente, em agosto, a Helpo começou uma campanha de apoio aos deslocados internos, cujo número já anda perto do meio milhão. Foram feitos rastreios nutricionais a mulheres grávidas e crianças até dois anos, e entregues kits de alimentação, higiene e utensílios para casa. Apesar do sofrimento, partilhado em parcas palavras quando questionados sobre de onde vinham e o que tinha acontecido, desta vez foi mais fácil tirar instantâneos de pessoas que encontraram o seu porto seguro numa das comunidades onde a Helpo tem projetos de educação e onde está também na resposta a esta emergência, para ajudar quem mais necessita.
Mais recentemente, visitei Metuge, onde estão os seis centros de deslocados com milhares de pessoas em condições mínimas para (sobre)viver. Uma vez mais, não consegui fotografar pessoas, apenas as improvisações de casas feitas com material local e que de pouco servirão quando a água começar a descarregar com força já nos próximos dias, marcando o início da época das chuvas. Aqui, não tem faltado comida, mas faltam condições de higiene, água e saneamento, fazendo antever problemas infelizmente bem conhecidos, já que Cabo Delgado tem um histórico de surtos de cólera nesta altura do ano.
Foi perto de Metuge que consegui tirar a foto que, deixando as pessoas na penumbra, mostra um enorme sofrimento, traduzido nos panos coloridos dentro dos quais se carregam vidas inteiras.
Partilho aqui esta foto e as palavras que escrevi para tentar poetizar a ação humanitária:
“Uma imagem que contém todo o peso de vidas de várias pessoas embrulhado em capulanas de cores alegres, encostado a uma sombra de uma árvore que leva algures a sul, não se sabe bem onde, mas onde várias pessoas se sentem menos inseguras. As balanças que medem o peso de vidas de várias pessoas embrulhado em capulanas de cores alegres, ainda não conseguem medir pesos de coração, de alma, de mágoa profunda, muitas vezes mascarados atrás do sorriso fácil que caracteriza este povo que tanto sofre, tanto aguenta, tanto caminha, para alcançar aquilo que muitos não valorizam por ser garantido.”