A recente proposta de devolução de obras em museus portugueses aos países de origem é isso mesmo: uma proposta. Devia ser recebida com naturalidade, merecendo a discussão que já existe em todos os países com um passado colonial. Não estou muito interessada no tema, hei de me pronunciar sobre ele mais à frente, não concordo com a forma como a proposta surgiu – do nada – nem com o contexto – Orçamento de Estado. Mas é uma proposta.
Sabemos comprovadamente que Portugal não é exceção. A comunidade maioritária assume comportamentos diversos perante as minorias étnico-raciais. Quando refiro “a comunidade” quero significar não apenas as pessoas individualmente consideradas, mas também as instituições e aquilo que é estrutural como a habitação ou a saúde.
Do meu ponto de vista, o caldo histórico e social português em que o racismo estrutural e institucional já foi caracterizado em inúmeros estudos académicos é de importante conhecimento sobretudo para a ação. Isto é, a melhor forma que encontro de “compensação” de desigualdades económicas e sociais gritantes em virtude de se ser afrodescendente ou cigano é o compromisso efetivo com uma política pública antirracista.
Assumir o combate antirracista como central é, além do mais, perceber que o seu contrário será – como se está a ver – o terreno fértil da extrema-direita. A extrema-direita sabe que os temas que usam animar o seu campo estão, em parte, tomados, pelo que descobriu a pólvora, o racismo, que é pólvora precisamente porque o racismo é real e só um alucinado a viver no país orgulhosamente só poderá ficar ofendido com o adjetivo.
O facto de a orgânica do Governo ter separado as áreas das migrações e da igualdade e não discriminação é um sinal muito importante, porque há muito se apontava o erro evidente que era confundir os temas das migrações com o tema do racismo. O desafio que sai desta nova orgânica governamental é o de uma distinção clara e efetiva entre políticas de migração e políticas de combate ao racismo. Estas últimas políticas não podem ser traçadas sem diálogo com as pessoas e representantes das comunidades que sofrem mais discriminação em Portugal.
Estamos em condições históricas para implementar uma política de igualdade de oportunidades que comece por conhecer as comunidades afrodescendentes e ciganas, que combata a segregação das crianças afrodescendentes e ciganas dentro do sistema de ensino, que pense, após devido estudo, na possibilidade de medidas de ação positiva para a integração de jovens afrodescendentes e ciganos na universidade, que ponha fim às situações habitacionais indignas em Portugal, que desenvolva regimes de apoio ao arrendamento, entre tantas outras políticas que podemos desenvolver em áreas como a justiça ou o emprego.
Todos os dados demonstram que abaixo do pobre branco está o pobre negro. Isso tem razões históricas que não cabem neste texto. A melhor forma de reparar esta injustiça é assumir como central a aposta numa política antirracista cheia de realidade.
(Opinião publicada na VISÃO 1405 de 6 de fevereiro)