Se não fosse verdade, diríamos ser anedota. Há um século atrás, à revelia do Estado português, dezassete açorianos quiseram vender a ilha portuguesa das Flores aos Estados Unidos da América. Nem mais!
Os arrojados ilhéus do ponto mais ocidental da Europa, por iniciativa própria, arriscaram-se a escrever uma carta ao Secretário de Estado Norte Americano Robert Lansing, membro da administração do presidente Thomas Woodrow Wilson, a propor a ocupação da ilha das Flores pelos americanos. Alegavam que a maioria da população queria ver-se livre da tirania portuguesa reinante há mais de quatrocentos anos e que ninguém os poderia culpar de quererem viver como americanos. E após questionarem Lansing sobre o assunto, em termos deveras curiosos, “em algum momento o Governo dos Estados Unidos teve a intenção de adquirir o arquipélago dos Açores, comprando-o mesmo a Portugal”, incautos, os protagonistas da troca de bandeiras asseguravam que, sendo necessário um apelo ou plebiscito, a população florentina decidiria a favor dos Estados Unidos da América em detrimento do Estado português.
A carta, subscrita por dezassete florentinos, é datada de 12 de outubro de 1919. Foi cedida pelo historiador António José Telo e recentemente publicada na última edição do Boletim do Instituto Histórico da ilha Terceira.
Os signatários de tão atrevida e estranha missiva argumentavam na defesa do seu propósito – vai-se lá saber se não por pura invenção – que há muitos anos atrás jornais americanos e europeus, entre eles um dos principais jornais de Lisboa, asseguravam que os Estados Unidos da América queriam comprar a ilha das Flores, mas que a Inglaterra, na qualidade de conselheira da monarquia portuguesa, o impediu. Sendo verdade que a coroa britânica impedira a venda, que intuito teria a coroa portuguesa nessa matéria? Vender uma das suas ilhas? Fica a dúvida no ar.
Os dezassete florentinos, que não se sabe se foram procurados, inquiridos, judicialmente responsabilizados e eventualmente presos por traição à pátria, relevam no documento que, “especialmente depois dos Estados Unidos da América terem declarado guerra à Alemanha e terem constituído a Base Naval de São Miguel”, até a imprensa local discutiu o tema com frequência e que os americanos esperavam o apoio dos habitantes florentinos nessa matéria.
O documento, como se adivinha, foi prontamente chumbado pelo Secretário de Estado Norte-Americano e mandado arquivar, encontrando-se depositado no National Archives, em Washington (NA 45). Parece que alguém teve juízo.