Passaram já quatro décadas desde o 25 de Abril e um pouco menos desde que, de facto, começámos a ter uma Imprensa livre de tutelas políticas, quer do Estado quer dos partidos. Mas, vividos estes 40 anos, o Poder continua a olhar para a Comunicação Social de forma simultaneamente distorcida e receosa.
Na primeira semana deste maio, um “documento de trabalho” do PSD/CDS e do PS sobre a cobertura dos períodos de campanha eleitoral pelos órgãos de Comunicação Social veio a público e morreu nesse mesmo instante. O que justificou a iniciativa, um processo longo, de anos, foi o facto de o quadro legal vigente estar manifestamente desfasado do nosso tempo, ultrapassado pela evolução social, económica, política, tecnológica… ultrapassado até pela própria dinâmica da Comunicação Social, influenciada por um mundo global e sem barreiras físicas.
Tudo isto é reconhecido pelo Presidente, pelos partidos do chamado “arco da governação”, pelas empresas de Comunicação Social e pelos jornalistas, estes cada vez mais condicionados na sua função de informar os leitores, os ouvintes, os espectadores, usando os únicos critérios a que devem estar obrigados, os critérios jornalísticos.
Por que razão morreu então um consenso arduamente trabalhado pela maioria e pelo PS para alterar um quadro legislativo caduco? Porque PSD, PS e CDS não conseguiram libertar-se do espartilho mental que está subjacente à interpretação absurda, e desenquadrada do tempo, que se continua a fazer de leis criadas em 1975; porque, em consequência disso, e de aritméticas de poder partidário, aquele esboço de Lei continuava tão fora do nosso tempo como a legislação que pretendia substituir.
Nesta 2.ª feira, 26, a maioria PSD/CDS-PP e o PS avançaram com novos projetos. A maioria com um diploma onde faz largas referências ao valor fundamental da liberdade de Imprensa, inclusive nos períodos eleitorais. Seria, por isto, injusto dizer que o PSD/CDS nada mudou em relação a versões de trabalho prévias, e que foi insensível às objeções colocadas pelos diretores dos 20 principais órgãos de Comunicação Social do País. Mas a verdade é que a cada afirmação de liberdade editorial parece sempre corresponder um “exceto”, um “desde que”, um “mas” que acaba por deixar tudo (quase) na mesma. E é nesse pequeno “mas” que, de facto, se joga tudo.
A Constituição consagra os princípios da liberdade de propaganda política e da igualdade de tratamento das várias candidaturas às diferentes eleições porque não há democracia sem confronto e alternativa de ideias e sem rotação de lideranças na condução do Estado e do País. E consagra também a liberdade de Imprensa porque ela é fundamental não apenas para a liberdade, em sentido amplo, como para a existência de democracia. A garantia de igualdade no acesso ao poder e a garantia de informação livre de qualquer tutela são dois direitos constitucionais que só podem ser vistos como consagrações paralelas de uma mesma preocupação do poder constituinte: colocar limites e obrigações aos titulares dos órgãos do Estado, para que não se perpetuem ilegitimamente no poder. Não podem nunca ser vistos como direitos conflituantes, em que um anula o outro, e logo na altura fundamental.
Não pode haver liberdade de Imprensa durante todo o ano e acabar com ela na altura mais importante de todas, nas eleições, no momento em que mais importa salvaguardar o direito a uma informação livre de qualquer pressão, censura ou “condução” arbitrária de uma qualquer entidade administrativa.
O PS, depois de ter tentado outros caminhos, parece ter percebido agora que não há, de facto, meios caminhos. Ou se acredita na liberdade de Imprensa, com todos os seus defeitos, ou se não acredita nela. A questão é que, quando não se a aceita como é, caímos no mesmo dilema que temos quando pesamos virtudes e defeitos da democracia: ninguém encontrou regime melhor.
A Imprensa tem falhas e imperfeições? Tem. Não garante o tratamento igual de todas as forças partidárias? Não. Mas é colocando restrições à liberdade de Imprensa que se resolve o assunto? É colocando-a sob a alçada de “polícias” de “boas práticas”? É transformando os jornalistas em funcionários dos partidos ou da CNE? Todos sabemos que não.
O legislador sabe bem como se resolve o problema das falhas da Comunicação Social e das obrigações constitucionais. A solução está, aliás, na própria lei: com tempos de antena e subvenções para a propaganda política. O PS, que não tem poder de decisão porque não tem maioria, teve a coragem de dar o primeiro passo. A maioria, e sobretudo o PSD, que tem agora o poder de fazer História, tem de ter a coragem de dar o passo decisivo. Qual é o receio?