Júlio César: de besta a bestial
Desde 2010 que o guarda-redes do Brasil tem sido contestado pela torcida e comentadores – curiosamente, esse foi o ano em que o elegeram o melhor guarda-redes a atuar na Europa. Mas, no mundial da África do Sul, vacilou num dos golos da Holanda, que eliminaria o Brasil. Sem clube durante grande parte da época passada, aquele que foi o número 1 do Inter de Milão durante sete anos, onde ganhou cinco títulos italianos, uma Liga dos Campeões e um Mundial de Clubes, acabou a jogar numa equipa do Canadá – Toronto FC.
Ontem, além de uma grande defesa durante o jogo, Júlio César, que muitos queriam fora da seleção, mas que sempre foi o preferido de Scolari, parou três penaltis e livrou o Brasil de ser o anfitrião da Copa a despedir-se mais cedo da competição depois de um empate (1-1) no final do prolongamento. Terminado o jogo, Thiago Silva, capitão, disse: “O Júlio, antes dos penaltis, disse aos jogadores para pegarem com confiança que ele pegaria três.” Defendeu dois. O terceiro bateu no poste. Nada que desmereça o herói do jogo de ontem para os brasileiros. Estrelinha de campeão?
A paradinha de Neymar
O número 10 da seleção brasileira que ontem, por vezes, tentou resolver tudo sozinho, e que sofreu um toque numa coxa que, segundo Felipão, pode afastar o atleta do jogo dos quartos de final, tem uma estranha forma de marcar penaltis. Ontem, mais uma vez, funcionou. Neymar era o último da primeira série de cinco. Quando chegou a sua vez, ambas as equipas tinham falhado duas grande penalidades. Fez então o que faz sempre. Coloca-se uns metros atrás da bola, não estando centrado com a baliza. Depois, avança para o lado, fazendo uma curva, até que se decide ir adiante, mas desacelera, dando passinhos pequeninos, até que parte definitivamente para o remate. Como Neymar nunca estaca o passo em momento algum desde que inicia a cobrança, não pode ser considerado paradinha (proibido segundo as regras), logo, é uma jogada legal.
Copa sujismunda
Na década de 70 o governo federal criou uma campanha de limpeza das cidades cujo protagonista era Sujismundo, uma boneco de cara simpática, mas com hábitos de higiene e de convivência urbana bastante questionáveis. Quarenta anos depois, apesar de muitas melhoras, o Rio de Janeiro, por exemplo, continua a ser uma cidade suja, onde demasiadas pessoas deitam lixo para o chão e os serviços de limpeza não funcionam bem. Parte da Zona Sul, onde vivem os cariocas mais abonados e onde os turistas ficam hospedados, é mais cuidada, mas não necessariamente limpa – basta ver o nojo em que ficam as praias de Copacabana ou Ipanema no final de um dia de verão. O Rio de Janeiro, cujo prefeito não se cansa de falar em sustentabilidade e que recebeu a cimeira ambiental Rio + 20, continua a ser uma metrópole suja onde apenas se recicla um por cento do lixo. No Largo da Carioca, no Centro, onde todos os dias passam milhares de pessoas e turistas, cheira a esgoto e a lixo. Deitar resíduos para o chão, apesar das multas, é prática corrente.
Moro no bairro da Gávea, alegadamente aquele que tem o maior índice de desenvolvimento humano (escolas, esgoto, serviços etc). No entanto, neste bairro, nem sempre se pratica a ideia subjacente ao antigo slogan “Povo desenvolvido é povo limpo”. Na manhã após o jogo, as ruas estavam imundas e não havia um funcionário da prefeitura a limpar a sujidade. O senhor Francisco, dono do quiosque onde compro o jornal, olhando para a porcaria, o mijo e as centenas de garrafas partidas no chão da praça, dizia: “Essa gente não festeja nada, só quer baderna (confusão, destruição). É preciso jogar as garrafas no chão e deixar a calçada cheia de vidros? Povo mal educado.”
Nem o jardim foi poupado e a relva estava coberta de lixo e urina. As ruas cheiravam mal e, às quatro da manhã, idiotas tinham apitado buzinas de forma incessante (as mesmas que se ouvem no estádio) nas ruas residenciais do bairro.
Há dias em que não é fácil acordar nesta cidade.
Joga Bonito
Talvez o melhor golo do mundial. James Rodriguez, que também marcaria o segundo da vitória sobre o Uruguai (2-0) torna-se assim o goleador da Copa com cinco golos. Vale a pena ver de novo.
Quem vai aos estádios
Uma pesquisa da Datafolha, feita entre os espectadores, no estádio, durante o jogo entre Brasil e Chile, mostra que 90 por cento pertence à classe A e B, que 67 por cento é branco e que 86 têm curso universitário ante os 16 por cento da população com educação no ensino superior. No estádio, estavam 24 por cento de pardos (no Brasil são 41 por cento) e seis por cento de negros (15 por cento no total da população brasileira). Entre os entrevistados, 55 por cento desaprovam o governo de Dilma Rousseff, considerando a sua gestão como ruim ou péssima, em oposição aos 38 por cento que a considera regular e aos 33 que a define como boa ou ótima na generalidade da população brasileira. Resumindo de forma simplificada: no estádio estavam brancos, com dinheiro e escolaridade, que não gostam muito de Dilma. Enfim, aquilo a que Lula chama a elite branca – a mesma que o apoiou e com quem ele convive com frequência.
A Copa dos outros
Na sua crónica, António Prata escreve sobre televisões, futebol e cinema – e sobre a razão pela qual se escrevem poucos livros ou se fazem poucos filmes brasileiros sobre o desporto, se tivermos em conta a sua importância no país. Escreve ele: “Uma das hipóteses era a de que o jogo era uma narrativa tão forte que toda a ficção em cima dele soa falsa.” Para ler na Folha de São Paulo.