Injeções de adrenalina no coração
Os jogadores do Gana ameaçaram não jogar com Portugal caso não fosse pago, antes da partida, o dinheiro que lhes fora prometido pela federação ganesa. E não aceitavam transferências bancárias, queriam os 3 milhões de dólares em notas. O jogador Gyan terá falado ao telefone com o presidente do país e o chefe de estado garantiu que o dinheiro ia a caminho num voo para o Brasil.
Se dinheiro parece ser a motivação dos ganeses, qual será então a cenoura para a equipa portuguesa? O que levaria os jogadores a superarem-se de tal maneira que pudessem golear o Gana, esperando sempre que a Alemanha ganhe aos Estados Unidos? Fama, glória, dinheiro, honra, redenção? O problema, na seleção portuguesa, entre muitos outros, é que não parece haver qualquer cenoura pela qual valha a pena correr atrás. E a cenoura maior, aquela que os trouxe ao Brasil – a Copa do Mundo – está fora da cabeça realista de Ronaldo, como ele mesmo admitiu. E se está fora da cabeça do mais ambicioso jogador da seleção, então também não deve ter tomado conta dos cérebros dos restantes rapazes do plantel.
Portugal precisava de algo extraordinário. Talvez uma injeção de adrenalina diretamente no coração, como aquela que Vincent Vega e Lance aplicam a Mia Wallace em Pulp Fiction. Gostaria de acreditar que Portugal chegaria aos quartos-de-final. Mas temo que, nem sequer com a ajuda engenhosa e eficaz de Mr Wolf, nós nos safaríamos desta. Neste mundial, a nossa carteira, definitivamente, não diz Bad Motherfucker.
PS – se por acaso Portugal passar adiante (seria sempre épico), estarei aqui amanhã tão enlouquecido como imparcial, tão exagerado como incoerente, renegando tudo o que escrevi hoje, escrevendo odes aos heróis do jogo, desgovernado ao ponto de achar que seremos campeões do mundo.
Emoção & bundas
Emoção é provavelmente a palavra mais usada na publicidade no Brasil. Dos chinelos de borracha ao guaraná, da máquina de lavar loiça aos separadores promocionais na TV, há sempre emoção aos borbotões.
Ceticismo publicitário à parte, e assumindo a generalização, o povo brasileiro é emotivo, aprecia os afetos e a intensidade da vida, orgulha-se do sangue passional, dá abraços em vez de apertos de mão.
Escusado será dizer que os níveis de emoção nesta Copa estão no vermelho. Não se trata apenas da emoção gerada pelos bons jogos. É que, com especial incidência no público feminino, ela tem-se manifestado de forma eufórica, persistente e corajosa, como mostrou a miúda que invadiu o treino de Portugal e ganhou um beijo e um autógrafo do seu ídolo Ronaldo. Enquanto a rapariga chorava e soluçava emoção em bruto e sem pudor, os jornalistas enfiaram-lhe os microfones na cara com a presteza das hienas e a urgência de quem interroga Richard Nixon pela primeira vez após o escândalo de Watergate.
Em redor da seleção brasileira, como se pode imaginar, a emoção é ainda maior, e seria maravilhosamente aproveitada por um diretor criativo que quisesse vender batatas fritas de pacote. Não se julgue, no entanto, que tudo está conspurcado pelo exagero mediático, a pulsão consumista e a fome de celebridades. Nos treinos de seleção brasileira e nos jogos, há quem procure uma emoção mais mundana e carnal, direta ao assunto, sem perdas de tempo ou hesitações. E isso, felizmente, também é muito brasileiro. Dizem os cartazes da mulherada: “Hulk, deixa eu apertar a sua bunda”.
A Copa dos outros
“Pobre de quem finca raízes em dois lugares: sofre duas vezes.” Pasquale Cipro Neto conta como é ver um Itália – Uruguai, ao vivo, quando se tem a duas seleções no coração. Para ler na Folha de São Paulo.
Frase do dia
“Vou ser turista!” – Menino que vende balas (rebuçados) e vive nas ruas de Fortaleza com a mãe e irmãs, depois de testemunhar, por estes dias, o desafogo e o estilo de vida dos visitante estrangeiros.
Glossário tupiniquim de futebol
No outro dia, uma voz querida, feminina e portuguesa, perguntou-me se o goleiro era o que marcava os golos. O tempo que passei no Brasil foi suficiente para que saiba que goleiro é guarda-redes, zagueiro é defesa, um artilheiro é avançado, escanteio é canto, tiro de meta é pontapé de baliza e que impedimento é fora de jogo. Mas, nas últimas semanas, descobri expressões futebolísticas que desconhecia até começar a Copa.
Zebra: uma surpresa num resultado. Exemplo: Costa Rica 1 – Itália 0. Refere-se ao jogo do bicho, no qual não existe a zebra, logo, algo incomum, inesperado.
Tomar um chocolate: Quando uma equipa perde por muitos e leva um baile. Expressão que teve origem num jogo do Vasco com o Internacional, no Maracanã, em 1981, depois de o Vasco ter perdido o campeonato brasileiro para o mesmo adversário dois anos antes. O narrador do jogo da rádio Globo, Washington Rodrigues, esperou pelo 4-0 do Vasco para se vingar musicalmente, pondo a tocar uma música do cubano Ricard Eguës, “El Bodeguero”, cujo refrão dizia: “Toma chocolate/ paga lo que debes”.
Levar uma caneta: quando a bola passa por baixo das pernas do adversário, o mesmo que “fazer uma cueca”, “fazer uma rata”.
Beque: o defesa, o zagueiro, o zagueirão. Curiosamente beque também quer dizer charro.
Gol Olímpico: golo de canto direto, o mesmo que “cantinho do Morais”.
Gol de placa: golo tão espetacular e memorável que merece uma placa comemorativa.
Gândula: apanha bolas.
Pezinho de moça: jogador hesitante, com medo de disputar bolas, sem bravura
Feriado no Rio
Nelson Rodrigues cunhou as frases “A pátria de chuteiras” e “O brasileiro é um feriado”, expressões que pretendiam condensar um povo em formato de adágio e que se manifestam plenamente nestes dias de Copa do Mundo. Quando há jogo do Brasil só se trabalha de manhã e o regresso a casa, bem como a romaria para os botecos com TV, antecipa e agrava a hora de ponta, apinhando ônibus e formando longas filas de trânsito. Em São Paulo, as filas de centenas de quilómetros batem recordes e Pelé confessou ter perdido a primeira parte do Brasil – México porque ficou preso num congestionamento.
Nos dias de jogo no Maracanã é feriado o dia inteiro na cidade do Rio. As autoridades justificam a decisão por motivos de segurança e pelo transtorno inevitável na mobilidade das pessoas. Parece exagerado parar uma cidade inteira por causa de um jogo de futebol. Mas é Copa do mundo e, se a pátria já está de chuteiras desde o jogo inaugural, o que há de melhor do que ter um feriado para fazer um churrasquinho e ver a Copa na TV?
A saídeira
- Sujou, pagou. Um português que passava uns dias no Rio, antes de viajar para Brasília onde irá ver o jogo com o Gana, foi multado em Ipanema por lançar uma beata para o chão. Há um ano que a guarda municipal e os fiscais da prefeitura autuam os prevaricadores do lixo e os gringos têm sentido apanhados em flagrante com frequência. No Rio, mais de 70 adeptos já foram detidos por urinar na rua. Os mijões, levados para a delegacia, tiveram de pagar uma multa de 157 reais.
- Se Ronaldo ficar em branco no jogo com o Gana, iguala Figo (2002), Ronaldinho Gaúcho (2006) e Messi (2010), que chegaram à Copa com o título de melhores do mundo e foram embora sem marcar um golo.
- Neymar tem sido o nome mais escolhido pelos pais para os bebés que nasceram desde o início da Copa. O mesmo aconteceu com o nome Romário na Copa de 94 e Ronaldo na Copa de 2002.