“Now I am quietly waiting for
the catastrophe of my personality
to seem beautiful again,
and interesting, and modern”.
Frank O’Hara
Brasil retro
Porque a antena da minha televisão é artesanal e custou apenas 20 reais na rua, tenho visto os jogos com cores garridas, duplos contornos e um granulado que me lembram as transmissões antigas, quando o calor do verão parecia saturar ainda mais o colorido das camisolas das seleções. No outro dia, apanhei parte de um jogo num bar de sucos e a transmissão em alta definição fez-me perceber que andava a ver este mundial sem óculos. No entanto, ontem, em alguns momentos do jogo do Brasil, com aquele garoto da camisa 10 galgando para cima dos adversários sem medo e com ardil, os jogadores de amarelo pareciam-me dotados da mística de outros escretes canarinhos. Sei que há muitas diferenças, mas seja por causa do ambiente de Copa nas ruas, seja porque a minha TV parece transmitir a partir de um tempo onde tudo era possível, começo a acreditar que este Brasil vai mais longe do que faria supor cada uma das partes individualmente.
O blues de Robben & Memphis
Podiam ser uma dupla de detetives, cowboys ou caçadores de feras selvagens. Os seus nomes soam bem num cartaz de cinema ou num blues sobre foras-da-lei. Robben, o cara pálida cujo trabalho de pés faria inveja a muitos pugilistas, tem o poder de colar a bola nas chuteiras enquanto avança ou muda de direção a grande velocidade, como o Automan da série de TV. Memphis, o miúdo que um jornal britânico chamou de Wonder Kid, tem a passada larga e podia ser o fuzileiro que também dança salsa e, de tão bem educado, ainda beija as mãos das senhoras. Esta dupla, com uniformes laranjas, meio espaciais, meio futuristas, cavalga graciosa e poderosamente pelos relvados brasileiros com a determinação de quem vai assaltar o comboio. São três finais perdidas. Os holandeses estão fartos de canções tristes. Chegaram com sangue nos olhos e uma dupla de pistoleiros do espaço
Debaixo de água
Há certos lugares onde o calor nos faz sentir no fundo de uma piscina aquecida. Os pulmões debatem-se para processar o oxigénio ensopado de humidade. Tomamos um duche frio e, antes sequer de vestir uma camisa lavada, já estamos cobertos por uma película melosa. Já vi muita gente desmaiar nos dias de maior calor no Rio. Um jogador da Itália disse que teve alucinações durante uma partida em Manaus. Esta não é uma terra para gente com pressão baixa. Por isso, quando vi a os rostos encharcados e em esforço dos portugueses na partida com os EUA, senti mais compreensão do que intransigência. Por vezes, pareceu-me que tinham a expressão de quem levara um soco nas partes baixas e procurava, sem conseguir, um pouco de ar para os pulmões, experimentando aquela sensação de “vou morrer aqui sem ter direito a um último fôlego”. Mas os aflitos, infelizmente, estão melhor numa procissão da Semana Santa. Fé não chega, é preciso pé na tábua e força nas canetas.
Jogo de Tronos
Como não acompanhei de perto o último campeonato português, não conhecia o futebol de William Carvalho. Quando entrou na segunda parte do encontro com os EUA pensei que se tratava de um boneco de videojogo, a arma secreta, aquele que tem mais estrelinhas em todos os itens – força, toque de bola, visão de jogo. Claro que William Carvalho se afirmava numa equipa cansada e sem rasgo, mesmo assim parecia que o jogador, na TV, era maior do que as outras silhuetas drenadas. Além disso, parecia ubíquo, tinha pernas de tentáculo, fazia muito mais sentido naquele meio campo. Fez-me lembrar os gigantes do Jogo de Tronos (em Portugal a série intitula-se Guerra dos Tronos), herdeiros de uma longa e ilustre linhagem de guerreiros colossais.
Porque o desespero era grande, talvez a esperança e a prestação de William Carvalho me parecessem maiores do que realmente eram. Mesmo assim, fiquei a pensar que, caso esta seleção não estivesse tão murcha, este podia ser o seu mundial.
Segunda linha
Pepe Reina, o guarda-redes suplente de Casillas na seleção espanhola, foi duas vezes campeão da Europa e uma vez campeão do Mundo, tal como Xabi, Iniesta ou Piquet. No entanto, é mais conhecido por ser o Mestre de Cerimónias da “Roja”, bom a entusiasmar as massas e a alentar os companheiros. Confiante no palco ou nos autocarros descapotáveis, com o microfone em punho, sempre foi o motor da festa. Ontem, jogou a sua única partida num mundial, quando a Espanha já estava eliminada. Disse, como seria de esperar, que era uma honra e um privilégio jogar pela seleção numa Copa do Mundo. Mas o que pensa e sente realmente um homem que, apesar de contribuir para os títulos, nunca jogou por eles? Se não estivesse numa conferência, mas diante de um psicanalista, o que diria Reina sobre a sua estreia num jogo a feijões, com a Austrália e um bilhete de regresso a casa já garantido? Será que a glória do suplente é tão distinta do sucesso do titular? Gostaria mais de ler uma biografia de Reina do que a hagiografia de qualquer craque de imagem registada.
O Brasil não é só estádios
Embora seja um país continental e de infinitas atrações, o Brasil recebe menos turistas do que Portugal. Na sua crónica, o escritor Ruy Castro mostra como a Fifa (umbiguista) e as autoridades locais (displicentes) não souberam usar a Copa para promover o país em todo o mundo. Para ler na Folha de São. Paulo.