Arranquei por volta das nove e meia da manhã. Em vez da neve que o cônsul temia, a temperatura rondava aqui no Norte os 25 a 30º centígrados. Tinha colocado todos os forros interiores do blusão e calças e por isso o problema foi mais calor que frio.
Perto das duas da tarde, depois de enfrentar um enorme engarrafamento de centenas de camiões que blocavam totalmente uma estrada em construção, vi um restaurante com um aspecto mais limpo que o habitual na Índia e resolvi parar para almoçar. O dono ligou para um amigo que falava inglês para que eu pudesse, pelo telefone, explicar-lhe o que queria almoçar. Contou-lhe antes que eu vinha numa enorme moto e o amigo, que tinha começado a organizar passeios na região para Royal Enfields, veio rapidamente ter ao restaurante. Conversa puxa conversa e convenceu-me a ficar essa noite em casa dele para antes irmos visitar algumas das plantações de xá da região. Estava em Bongaigaon, na província de Assam, um dos maiores produtores mundiais da planta, chegando a controlar, num passado relativamente recente, mais de 30% do mercado.
Depois do excelente almoço, que incluiu uma cerveja que foram buscar a uma loja de bebidas, fomos visitar uma das famosas plantações de xá. Enquanto passeávamos junto ao espetacular tapete verde elevado cerca de um metro do solo, encontramos um grupo de crianças, caçadores de arco e flecha. Três deles pousaram para a fotografia com as presas do dia que incluíam um coelho, dois castores, duas ou três aves e um rato, tudo comestível, depois de cozinhado pelas respectivas mães.
Passamos depois em casa deste meu amigo Subham onde tomei um duche e conheci a sua fantástica mãe, uma senhora da casta Brahma, com imensa pinta, que embora esteja com Alzheimer, me recebeu de forma extraordinária. Mandou preparar um xá para mim e o filho e fez-me várias perguntas, algumas vezes repetindo-se, como é típico da doença. Foi professora de Filosofia e, pelo seu ar imponente e calma de espírito, não tenho duvidas que excelente. Partimos então, eu e o Subham, para o seu escritório, onde consegui ir à internet e carregar o computador. Pelas oito da noite voltamos à esplanada do restaurante onde tinha estado a almoçar mas desta vez jantámos num pátio das traseiras onde acenderam uma agradável fogueira e ficámos nos copos e à conversa com mais dois amigos noite dentro.
No dia seguinte o Subham acompanhou-me os primeiros duzentos quilómetros na sua Yamaha 150 até à cidade de Guwahati, capital da província, onde ele tinha um casamento essa noite. Em vez de viajarmos pela estrada principal em que eu vinha até ali, apanhámos uma paralela, do lado sul do rio Brahmaputra, que atravessa uma floresta luxuriante onde o próprio Subham decidia parar de vez em quando para tirar mais uma ou outra fotografia. Pelo meio almoçámos num restaurante onde ele costuma ir quando faz esta viagem em que lhe arranjam cerveja, embora desta vez o camião que a transporta tivesse tido um acidente, deixando a aldeia à sede.
Despedi-me do Subham à saída de Guwahati e segui até Nagaon, primeiro por uma estrada com bom piso e mais tarde por uma zona montanhosa com o piso cada vez mais degradado à medida que avançava.
Ao andar para Oriente, nesta parte recôndita da Índia, a população, como uma espécie de “dégradé”, vai passando de traços de Indhu para orientais. Não que se misturem, porque praticamente não acontece, mas vão havendo cada vez menos pessoas com o aspecto tipicamente Indiano e mais com aspecto oriental. Segundo o Subham, na cidade dele já só metade da população é Indhu sendo a outra metade Muçulmano, com uma pequena percentagem de católicos.
Chegado a Nagaon, onde nunca aparece um ocidental, um miúdo numa moto a quem perguntei onde havia um bom Hotel disse para o seguir e guiou-me até ao Hotel menos mau da cidade. Despedi-me dele mas, passada meia hora apareceu a bater-me à porta do quarto com mais dois amigos. Queriam apenas conversar com este estrangeiro que teria coisas novas para lhes contar numa cidade onde pouco se deve passar. Disse-lhes que esperassem lá em baixo que depois de um duche iria beber um copo com eles. Fomos até um “resort” que eles conheciam onde bebi uma cerveja e jantámos umas batatas fritas aos palitos, feitas na altura, por acaso excelentes, para variar de arroz. Eles, sendo muçulmanos, não passaram da água. Ficámos à conversa durante mais de duas horas e no fim, um deles disse: “esta noite será inesquecível”.
No dia seguinte de manhã fui num “rickshaw” à procura de um “internet café” que acabei por não encontrar e, quando saía do “rickshaw” de volta ao Hotel uma mulher, certamente em resposta à pergunta de uma filha dos seus doze anos de quem seria esta espécie rara de homem disse: “He’s a Holly Man”.