O Presidente da República interrogou-se há dias, com falsa ingenuidade, sobre a razão pela qual, no nosso país, é tão difícil os partidos entenderem-se. Como ator de primeira linha da cena política caseira, é impossível ele ainda não ter percebido a gravidade das patologias que afetam a nossa democracia. É uma democracia que existe no papel, na lei, mas cuja prática efetiva não é estimulada no dia a dia da vida. O PR, os partidos, os governos que deles emanam só se lembram da importância da participação cívica, quando há eleições. Aí, sim, multiplicam-se as campanhas cujo conteúdo, bem espremido, só expõe, de forma trágica, a relação mercantilista do sistema político com os eleitores. Os partidos querem votos, apenas votos e criam a ilusão de que tudo se resume ao ato de votar. É como se o único lugar onde a democracia é possível fosse a urna de voto, esse espaço, escuro e mínimo, onde se deposita a expressão da nossa vontade de representação – e só ela. Além do poder, cada voto vale dinheiro e é desta combinação explosiva que se alimentam as máquinas partidárias que sustentam as lideranças políticas.
Em geral, estas autênticas máquinas de propaganda são compostas por gente cada vez mais medíocre e muito voraz. Daí, também, a degradação das lideranças. Mal se instalam, afastam toda a competição, seja proveniente de pessoas de outros partidos, seja de simples cidadãos. É por isso que tratam sem dignidade qualquer iniciativa de cidadania – o exemplo mais gritante é a forma como as petições são discutidas no Parlamento – e que são tão relutantes em dialogar, partilhar informação ou estabelecer acordos em assuntos decisivos. Não é, de resto, por acaso, que, no recente “guião” para a reforma do Estado, haja um vazio total quanto à reforma do sistema político, nomeadamente, no que respeita às leis eleitorais ou às garantias de governabilidade. Depois de terem encolhido a democracia e permitido que lobbies e corporações aprisionassem o Estado, só um sobressalto cívico obrigará os partidos a mudar. Veja-se este Governo. Dois partidos negociaram uma coligação, mas não fugiram à regra da eterna disputa do poder. Atritos, invejas, maledicência, jogo duplo, tudo foi motivo de grande perturbação com graves prejuízos para o País. Só sossegaram quando perceberam que a desunião os iria apear do poder.
Essa voracidade fez com que o atual Governo se desse ao luxo de dispensar a colaboração do PS, mesmo numa situação de emergência como a que vivemos. Pelo contrário, desde o início da legislatura que a coligação de direita se entreteve a humilhar os socialistas e a praticar contra eles uma espécie de bullying permanente a propósito da entrada da troika. Com uma sobranceria insuportável, a maioria PSD/CDS foi abortando, uma e outra vez, iniciativas do PS, inclusivamente uma proposta feita há um ano sobre a metodologia a seguir para a elaboração e discussão de uma reforma do Estado. Até agora, que chegou o momento crucial de decidir se temos um pós-troika ou um segundo resgate e o PS é decisivo para facilitar uma solução junto dos credores. Passos Coelho e Portas querem negociar e o primeiro até faz chantagem de forma indecente. Percebe-se a relutância dos socialistas, mas ninguém lhes perdoará, nem compreenderá, se não fizerem tudo para evitar mais sacrifícios aos portugueses. É tempo de acabar com os egoísmos partidários e de desmontar falsas ingenuidades.