Inquérito JL a 10 músicos brasileiros
1. Porque escolheu viver em Portugal?
2. O que Portugal trouxe para a sua arte?
3. O que a sua arte trouxe a Portugal?
4. Acredita que Portugal pode ser um ponto privilegiado para intercâmbio de culturas, nomeadamente, no mundo lusófono?
Mais do que partilhar uma língua
Couple Coffee (Luanda Cozetti e Norton Daiello)
Ano da chegada a Portugal: Agosto de 2005
Discografia: Puro (2004), Co’as Tamanquinhas do Zeca! (2007), Young and Lovely – 50 Anos de Bossa Nova – Ao Vivo no MusicBox Lisboa (2008), Quarto Grão (2010), Fausto Food (2017)
1. Eu tinha um convite para editar um disco em Portugal. Entre o convite e a vinda passaram-se dois anos, nos quais a vida deu muitas voltas e impôs decisões. E assim viemos, eu e o Norton, com seu baixo, o “Tobias”, muitas malas, as crianças, e a base do primeiro disco do Couple Coffee nas mãos, o Puro.
2. A possibilidade de exercê-la em plenitude e criatividade. O Couple Coffee nasce no Brasil, mas passa a existir de facto aqui em Portugal. Quando apresentamos o Puro ao Gonçalo Riscado e ao Alex Cortez, da Ed. Transformadores, com as canções brasileiras reinterpretadas por nós só com o baixo e a voz, partiu deles a ideia iluminada e lusófona de chamar artistas portugueses para participar no disco: o Vitorino, o JP Simões, o Jorge Palma, o Gabriel Gomes e o Sérgio Costa.
Isso foi fundamental para nós, como uma bênção de benvindança dos companheiros do ofício que jamais esqueceremos. Gonçalo, Alex e os convidados tornaram-se grandes amigos, nos deram de presente a nossa liberdade. Aqui em Portugal somos artistas livres. É reconfortante afirmar isso após cinco discos editados e a caminho do sexto, só com originais, quase 20 anos depois.
3. Talvez seja a pergunta mais difícil de responder porque enquanto estamos fazendo – em bom gerúndio – não olhamos muito para o que já fizemos.
Por outro lado, cada vez mais acontece de artistas muito jovens, portugueses e não só, nos dizerem que são influenciados por nós pela música, arranjos, interpretação, conceito, e principalmente por nossa forma de estar e ser no ofício, na lida. Acho que é por aí. Daqui a dez anos responderemos outra vez… com mais estrada percorrida. Oxalá!
4. Não só acreditamos como essa tem sido a nossa prática desde o quase analógico e longínquo ano de 2005. O caminho é agregar mais ainda, olhar para o país todo, que tem criadores de todos os cantos, e perceber e pressentir que em breve o tal mundo lusófono será muito maior do que partilhar uma língua e ancestralidades.
O importante é sermos verdadeiros na sinceridade das intenções artísticas, que mais do que nunca não devem servir às vaidades vãs. Neste agora um tanto aflito que nos cerca, o que nós artistas fizermos conta e contará para sempre na construção desta nova e necessária identidade cultural e social.
Aprendi a cantar de olhos fechados
Pierre Aderne
Ano e local de nascimento: 1965, Toulouse
Ano da chegada a Portugal: 2011
Discografia: Casa de Praia (2006), Alto Mar (2007), Água Doce (2011), Bem me quer, Mar me quer (2012), Caboclo (2014), Da Janela de Inês (2017), Vela Bandeira (2022) e Mapa dos Rios (com Moacyr Luz, 2024)
1. Por ser o berço da nossa língua. Para estar mais perto da música que se faz em Portugal e da África que soa em português.
2. Novos sotaques, o fado e as mornas, abriu meus ouvidos para outros batuques e outras macumbas. Aprendi a cantar de olhos fechados e hoje enxergo bem melhor a música que faço.
3. Alegria e comunidade.
4. Lisboa tornou-se a capital da música de língua portuguesa. A verdadeira sede da CPLP e do Instituto Camões é o que se ouve na coluna vertebral musical das sete colinas. Só falta o Moedas enxergar o ouro que temos na ponta dos dedos e da língua e proclamar o título com uma escultura na praça do comércio. Eu assino!
Um mundo de possibilidades
Carlos Cavallini
Ano e local de nascimento: 1984, Vitória, Espírito Santo
Ano da chegada a Portugal: 2007
Discografia: O Tamanho do Tempo (2024)
1. Eu me mudei para Portugal em 2007 para fazer um mestrado em Etnomusicologia na Universidade Nova de Lisboa. Dois anos antes, conheci um grupo de artistas num festival de música e teatro no interior do Espírito Santo, Brasil. Na época, eu tinha uma banda e estávamos no festival para uma apresentação.
Uma das atrizes que conheci me contou que estava se mudando para Lisboa para fazer um mestrado em Cinema. Ficamos em contacto e ela foi partilhando sua experiência, o que me animou cada vez mais para vir também. Eu já buscava uma mudança de trabalho e queria ter a experiência de morar fora de Vitória, com o objetivo de me aproximar da música profissionalmente.
Uma das integrantes da banda, Joana Bentes (que agora segue uma carreira linda como cantautora), precisou sair para prestar o vestibular. Éramos muito novos e a música ainda não era nossa profissão. Com o fim da banda, a vontade de viver em Lisboa aumentou.
Nesse período, recém-formado em jornalismo, eu trabalhava com assessoria de imprensa em Vitória. Quando vi o programa de mestrado em Etnomusicologia da NOVA, achei ideal para o que eu queria: uma pesquisa que analisasse o discurso dos media portugueses sobre a música brasileira.
Fiquei muito feliz quando meu projeto foi aprovado e acabei estendendo minha estadia para o doutoramento, também na NOVA, muito encorajado pela Profª. Salwa Castelo-Branco, minha orientadora. Depois disso, não quis mais viver em outra cidade.
2. Portugal me abriu os olhos para a música de outros países de língua portuguesa, algo com que não tinha contacto no Brasil. Quando pergunto para amigos, ouço o mesmo – no Brasil, quase não conhecemos a música portuguesa e dos outros países lusófonos.
Na primeira festa que fui na casa de uma colega da faculdade em Lisboa, estava tocando o álbum Navega, de Mayra Andrade. Fiquei maravilhado com o primeiro disco da Mayra e fui conhecendo outros artistas como Tito Paris, Bonga, Paulo Flores e Aline Frazão, para além de nomes da música portuguesa que entraram para o meu imaginário e passaram a ser também minhas referências – Jorge Palma, Sérgio Godinho, Luísa Sobral, Os Clã, Márcia, António Zambujo, entre tantos outros nomes. Isso me abriu um mundo de possibilidades, não só na sonoridade, mas também na escrita.
3. Acredito que o meu trabalho se insere num cenário musical “ainda em construção” aqui em Portugal, composto por músicos brasileiros que não só vivem aqui, mas também se consideram daqui.
São músicos que já incorporaram palavras e os cenários locais e, após viverem em Portugal, adquiriram uma sonoridade influenciada por tudo que passa a nos rodear. Quando Leo Middea participou do Festival da Canção, eu torci muito. Foi incrível ver, pela primeira vez, um brasileiro representando Portugal, e já era hora, afinal ele também é daqui.
Estamos caminhando para ver cada vez mais exemplos assim e ainda bem!i. Quando me mudei para Lisboa, havia alguns exemplos de músicos brasileiros que já vivam aqui como é caso dos Couple Coffee, mas agora temos uma abordagem diferente onde estes artistas também passam a representar Portugal.
4. Não acredito nisso, tenho a plena certeza! Aliás, esse era justamente um dos pontos da minha pesquisa no doutoramento e tenho visto cada vez mais Portugal representar este intercâmbio.
Apesar da crescente onda de xenofobia e discursos de ódio aqui também, é essencial ressaltar que existe uma presença significativa de artistas de outros países de língua portuguesa nas rádios, premiações, festivais e eventos diversos.
Existe uma abertura para isso, uma tentativa de pessoas e empresas sérias e comprometidas com essa interação. Claro que, num mundo ideal, poderíamos estar muito mais avançados nesse tema, mas sinto, tanto pelas pessoas que conheço aqui quanto nos media e eventos culturais, uma grande abertura e um certo orgulho de uma parcela significativa dos portugueses em representar esse intercâmbio. E que cresça, para reforçar os laços e dirimir barreiras. Há muita coisa bonita nessa interação e todos ganham com isso.
Calma e maturidade
Bernardo Lobo
Ano e local de nascimento: 1972, Rio de Janeiro
Ano da chegada a Portugal: 2016
Discografia: Nada Virtual (2000), Sábado (2006), Sábado ao vivo (2008), Valentia (2012), C’Alma (2018), Uma Viola mais que Enluarada (2019), Zambujeira (2021), Bons Ventos (2023)
1. Me apaixonei por Lisboa depois de ter cantado aqui em 2010 e 2013. A beleza da cidade e a segurança foram também fatores importantes.
2. Trouxe calma e maturidade para minha música.
3. Acho que minha música tem muito do que ouvi na minha vida toda e tem uma grande mistura de ritmos e uma liberdade de criação. Minha música vem mostrar isso tudo. As fontes que bebi mas com uma assinatura própria.
4. Acredito que sim e vejo que tem sido cada vez mais assim.
Fundir e compreender diferentes linguagens
Nilson Dourado
Ano e local de nascimento: 1980, São Paulo
Ano da chegada a Portugal: 2009
Discografia: Sabiá (2012), Silêncio (2022)
1. Pela qualidade de vida, que hoje já está um bocado afetada pelo aumento do custo de vida, comparado com 2009/2010, quando cheguei por aqui para uma primeira experiência. Mas para além da qualidade de vida também me interessava o intercâmbio cultural e novas conexões artísticas.
2. Trouxe uma rica ampliação da linguagem musical, começando pela música portuguesa que já é naturalmente um rico mosaico cultural e seguindo pelo imenso balaio que abarca as várias culturas envolvidas pelo que chamamos de lusofonia, e se estendendo ainda, por todo um universo mais amplo de fusões e encontros de culturas, pela maior proximidade com o norte da África, o mediterrâneo, ou mesmo das variações culturais que integram o que talvez possamos chamar de música europeia.
3. Provavelmente de uma forma mais generalizada trouxe algo de sensibilidade, alguma habilidade para fusionar e compreender diferentes linguagens musicais, considerando essas que são características mais ou menos inerentes à minha personalidade musical.
4. Sem dúvida nenhuma que sim. Esse aliás tem sido um tema recorrente nas conversas que tenho com o meu amigo e um dos principais parceiros de trabalho que tenho por aqui, o luso-brasileiro Pierre Aderne.
Penso que por questões relacionadas, quer à história ou à geografia, Lisboa, por diversos motivos, talvez tenha tido sempre esta aptidão; agora é evidente que nos últimos dez anos, com toda essa renovação populacional que pela qual passou e continua a passar Portugal, que essa potência se amplie e se redimensione incluindo toda uma nova população de artistas que escolheram, assim como eu, viver ou pelo menos passar uma grande temporada por aqui.
Porta de entrada para o mundo
Leo Middea
Ano e local de nascimento: 1995, Rio de Janeiro
Ano da chegada a Portugal: 2017
Discografia: Dois (2014), A Dança do Mundo (2016), Vicentina (2020), Beleza Isolar (2020), Gente (2023)
1. Eu sempre quis explorar minha música de uma forma que me permitisse circular por diferentes culturas, podendo viajar além do Brasil. A ideia de vir para Portugal surgiu pela primeira vez na minha cabeça quando eu estava em um retiro de silêncio em Bangalore, na Índia, em 2016.
Lá, tive a sensação de que era possível concretizar essa ideia, até então embrionária. Portugal apareceu como uma porta de entrada para o mundo, por já estar na Europa e ser tão próximo de tantas culturas. Acabei me apaixonando pelo país, por Lisboa, e aos poucos fui conseguindo essa expansão por diferentes territórios, que era o meu foco desde o início.
2. Trouxe muitas coisas, começando pelas diferentes influências artísticas e musicais que nunca tinha absorvido quando estava no Brasil. Por exemplo, o jazz. No meu primeiro ano em Portugal, frequentava muito os clubes de jazz, escutando e me fascinando com aquilo. Nunca tinha ido a um clube de jazz no Brasil, e essa experiência certamente me encantou.
Outra coisa que Portugal me proporcionou, e que pode parecer engraçado, foi que estar longe do Brasil trouxe muitas sensações, como a saudade dos familiares e do clima. O mais interessante é que essa distância também me deu uma visão mais distanciada e, ao mesmo tempo, mais próxima do meu próprio país.
Isso fez com que sentisse uma presença maior do Brasil em mim, ajudando-me a entender melhor minha relação com a música como brasileiro e a mesclar essa sensação com as referências de vida e musicais que estava vivenciando em Portugal naquele momento.
3. Não consigo dizer isso com total clareza, pois acredito que uma pessoa de fora poderia oferecer uma perspetiva mais assertiva. Mas sempre gostei de fotografar a vida em forma de canções, e com certeza as praias, os bairros e as cidades me inspiraram.
Hoje vejo pessoas que viajam para Lisboa postarem reels e stories com a música “Lisbon Lisbon”; ela quase virou uma trilha sonora para alguns turistas. Já vi comerciais de divulgação da cidade de Lisboa com essa música. Além de “Freguesia de Arroios” e “Banho de Mar” – nesta canção menciono as praias de Carcavelos, Caparica, Ericeira, dos Coelhos e Galé – já recebi algumas mensagens de pessoas que visitaram essas praias por causa dessa canção, quase como um “checklist”.
Então, não sei exatamente o que minha música trouxe a Portugal, mas com certeza ela reflete, de certa forma, um pouco de Portugal.
4. Com certeza, é muito bonito ver, principalmente em Lisboa, a lusofonia à flor da pele, com a língua portuguesa de diversos lugares se encontrando e celebrando esse intercâmbio em forma de parcerias, encontros e admirações.
Um certo artesanato da canção popular
Fred Martins
Ano e local de nascimento: 1969, Niterói
Ano da chegada a Portugal: 2017
Discografia: Janelas (2001), Raro e comum (2004), Tempo afora (2007), Guanabara (2008), Acrobata (com Ugia Pedreira) 2012, Para Além do Muro do Meu Quintal, 2015, A música é meu país (2017), Ultramarino (2021), Barbarizando Geral (prestes a sair)
1. É natural que um brasileiro como eu, que ama o próprio (ao menos uma parte deste), se encante com Portugal. O espaço cultural comum entre os dois países cria um sentimento de familiaridade tão forte que fica difícil não desejar estar por aqui por um tempo prolongado. E, desde meu ponto de vista, a música popular tem sido um dos elementos centrais nesse espaço comum.
2. Creio que sempre esteve lá. A música do Rio de Janeiro, de onde venho, é especialmente marcada pela presença portuguesa na cidade. Há quem lembre da importância da passagem da corte portuguesa pelo Rio, com a presença do piano como elemento fulcral na formação da cultura musical da cidade.
Os tambores dos terreiros afro-cariocas moldando a rítmica das harmonias e melodias tocadas ao piano nos salões e casas das famílias, cinemas, saraus, eventos institucionais. E essas melodias pianísticas, por sua vez, espraiando-se pelos violões e cavaquinhos, pandeiros (impregnado ouvidos e alma) dos sambistas do morro e do asfalto.
Claro que desde que estou por cá esses elementos foram se decupando, tornando-se mais conscientes. E os ritmos locais e certos melismas do canto (alguns novos para mim) foram se tornando mais presentes em minhas canções.
3. Ah, acho que nesse caso só posso dizer sobre o que está dentro de meu campo de visão. Não posso falar pelos que estão do outro lado do cenário, os ouvintes de Portugal. Apenas espero eles gostem da música que apresento. Que seja para eles de algum interesse.
Posso dizer que o que tenho mostrado é resultado da minha formação em certo artesanato da canção popular. Algo que traz muito de uma linhagem específica de cancionistas brasileiros. E que, no melhor dos casos, espero com isso continuar uma “conversa” musical e poética que atravessa mais de um século de canção brasileira e remonta aos primeiros sambistas como Sinhô, Pixinguinha, Noel Rosa e segue pelas seguintes gerações de artistas como Geraldo Pereira, Nelson Cavaquinho, Vinícius de Moraes, Jobim, Chico Buarque, Aldir Blanc e João Bosco, Ivan Lins, Gilberto Gil, entre tantos.
O grande Paulinho da Viola compara o ofício do sambista, ou cancionista, com o do mestre artesão. E a forma de transmissão do conhecimento se dando e forma direta, no tête-à-tête, de uns a outros.
4. Penso que sim. Aqui temos acesso às referências de base que povoam o imaginário de cada comunidade ligada a determinado país lusófono. Além do possibilidade de convívio entre pessoas de diferentes grupos, troca de informações e criação de práticas comuns a diversas nacionalidades.
A História do ponto de vista do outro
Luca Argel
Ano e local de nascimento: Rio de Janeiro (1988)
Ano da chegada a Portugal: 2012
Discografia: Bandeira (2017), Conversa de Fila (2019), Samba de Guerrilha (2021), Sabina (2023)
1. Inicialmente não era uma mudança para Portugal, era apenas uma passagem durante o período de estudos, de um a dois anos. A permanência em Portugal aconteceu por motivos pessoais (não me queria separar da minha namorada na época), e depois profissionais (comecei a conseguir sustentar-me com a música, o que nunca acontecera no Brasil).
Não posso dizer que “escolhi” Portugal para viver, a priori. Faria mais sentido dizer que Portugal é que me escolheu a mim.
2. Novas perspetivas de se pensar e usar a nossa língua e a nossa história. Além de uma visão mais distanciada, e por isso mesmo talvez mais bem definida, do valor da cultura e identidade brasileiras que eu já trazia na bagagem, e que dava de barato.
3. Espero que tenha trazido precisamente as mesmas coisas. Ampliado os horizontes em relação ao que é a cultura brasileira, as nossas histórias, e um espaço de trânsito criativo mais livre entre as nossas formas de usar a língua portuguesa.
4. Sim, Portugal tem todo esse potencial. Mas nunca vai conseguir realizá-lo plenamente se não pensar a lusofonia de forma mais profunda. Persiste, por exemplo, a ideia do mundo lusófono como um presente que Portugal ofereceu generosamente ao mundo.
São mínimas as tentativas de pensar esta história do ponto de vista do outro, para o qual a lusofonia foi sobretudo uma ferramenta de dominação. Sem abraçar radicalmente este exercício de alteridade, coisa que Portugal tem extrema dificuldade em fazer, nenhum intercâmbio cultural pode ser pleno. Isto é, horizontal, sem hierarquias.
Diálogo, reflexão e intervenção
ÁKILA AKA PUTA DA SILVA
Ano da chegada a Portugal: 2016
Discografia: EPI Travesti (2022)
1. Eu estava a viver em Barcelona quando resolvi me mudar para Portugal para cursar o mestrado em teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema, percorrendo um sonho antigo de me profissionalizar nas áreas de teatro, cinema e comunidade.
2. Minhas canções autorais foram todas criadas em Portugal e revelam a minha relação com a cidade de Lisboa e com o País. A geografia, a arquitetura, as políticas públicas e a cultura portuguesa, bem como qual é a real situação da população imigrante em Portugal foram pontos de observação importantes para as minhas pesquisas e composições. A minha música e arte são um convite para o diálogo, para a reflexão e intervenção. Eu canto um novo tempo bem como uma nova Portugal.
3. A possibilidade de ver o país, entrando em contacto com outras vivências, experiências e epistemologias que até então não eram discutidas. Minha música transforma o silenciamento em grito e o grito em conhecimento.
Minha música vem para fazer o país se movimentar e refletir acerca de outras existências que não são necessariamente brancas europeias e cisgêneras e conscientizar sobre nossas potências e necessidades vitais em sociedade. Um país multicultural valoriza o power da diferença e da multiplicidade de ser, pensar e existir.
4. Com toda a certeza estamos muito bem geolocalizadas em Portugal, o que permitirá o intercâmbio de diversas culturas. Quanto mais Portugal se abrir para essas novas culturas mais fortalecida e interessante ficará a cultura portuguesa. Afinal uma sociedade é composta e se ergue cultural e intelectualmente sobre o alicerce de saberes e conhecimentos diversos.
Outras matrizes musicais
Antônio Villeroy
Ano e local de nascimento: 1961, São Gabriel
Ano da chegada a Portugal: 2022
Discografia selecionada: Totonho Villeroy (1991), Trânsito Independente (1995). Juntos ao Vivo, com Bebeto Alves, Gelson Oliveira e Nelson Coelho de Castro (1997), Juntos 2 : Povoado das Águas (2002), Totonho Villeroy & Orquestra de Câmara Theatro São Pedro (2004), José (2010). Samboleria (2014). Novelas (2019), Gravidade do Amor (2021), Luz Acesa (2021), Banquete (2023)
1. Eu faço turnês pela Europa desde 1994, mas sempre estive mais focado na Espanha, Luxemburgo, Suíça, Áustria, Alemanha, eventualmente na Inglaterra, mas principalmente na França, onde inclusive produzi um grande festival de música brasileira de 1996 a 2006.
A primeira vez que me apresentei em Portugal, foi um só show em Lisboa, no ano de 1996. A partir de 2019, passei a vir com maior frequência para cá. Tenho duas filhas pequenas, atualmente com sete e 11 anos, e, a cada turnê europeia ficava quase dois meses longe delas.
Em função disso, minha mulher e eu começamos a cogitar nossa mudança para alguns dos países onde eu ia com maior frequência. Depois de uma longa turnê realizada em 2022, tendo obtido enorme recetividade em Portugal, decidimos que o país a ser escolhido deveria ser Portugal, em virtude da segurança e de falarmos o mesmo idioma, o que seria uma facilitador para as crianças.
2. A música do Brasil tem fortes traços portugueses. Sou natural do Rio Grande do Sul e encontro diversas convergências musicais entre o folclore da minha região e a música tradicional portuguesa. Até mesmo o fado, que tem uma característica extremamente marcante, possui uma similaridade com a milonga, do meu estado, em relação à economia de acordes, às repetições melódicas e a grande importância do texto na composição.
E ambos os gêneros possuem uma tendência mais introspectiva e emocional. Ao chegar aqui, vivendo o dia a dia, frequentando shows e ouvindo rádio, deparei-me com outras matizes musicais, uma geração nova produzindo canções de qualidade com boas letras de caráter contemporâneo. Todos esses aspetos, o da tradição e o da inovação, foram, de certa forma, sendo incorporados ao meu fazer artístico.
3. Isso é algo para o qual ainda não tenho plenas respostas. Minhas músicas chegaram aqui antes de mim, através das trilhas das novelas e das interpretações de outros artistas. Quando vou aos meios de comunicação para dar entrevistas, sinto um enorme acolhimento, em geral os jornalistas e apresentadores tem bastante conhecimento sobre a minha produção musical. Nos shows, o público canta comigo boa parte do repertório.
Portanto, penso que, de certa forma, minhas canções já fazem parte da trilha sonora de muitos portugueses. Mas não tenho como precisar se causei alguma influência na produção local, nas músicas dos artistas daqui. Tenho feito colaborações com alguns artistas, como Joana Amendoeira e Joana Almeida. Talvez daqui um breve tempo possamos ter uma noção mais clara do que minha música pode ter trazido para Portugal.
4. Sim. Disso não tenho dúvida. Percebo que há uma interatividade entre os artistas lusófonos de diversas latitudes. Tenho ouvido no rádio diversos duetos entre artistas portugueses e artistas de países da África Lusófona e também do Brasil.
Isso se dá mais aqui do que no meu país. Penso que há um desejo de intercâmbio entre os artistas de língua portuguesa e percebo resultados muito interessantes, no plano harmônico, melódico e também com relação aos diferentes sotaques e acentos que se enctrecortam nessas produções.