Era uma espécie de Madredeus alternativo. Desafiados por Manuel Hermínio Monteiro, editor da Assírio & Alvim, em 1997, Rodrigo Leão, Gabriel Gomes, Francisco Ribeiro e Margarida Araújo criaram ambientes sonoros para versos declamados por Mário Cesariny, Luísa Neto Jorge, Heberto Helder, entre outros. Nasceu Entre Nós e as Palavras, um disco que se tornou uma referência para a música e poesia portuguesas. Dezasseis anos depois, Os Poetas estão de volta. Além da reedição do disco, há muito esgotado, é lançado um CD complementar, com o título Autografia.O JL falou com Gabriel Gomes, músico da Sétima Legião e ex-Madredeus, que traz poesia no acordeão.
JL: O que aconteceu agora para se lembrarem de recuperar este projeto?
Gabriel Gomes: Há três ou quatro anos fizemos, com o Rogério Samora, uma performance d’Os Poetas, para assinalar o aniversário do Frágil. Ficámos muito surpresos quando nos juntámos e voltámos a ter aquela mesma sensação. Depois, já no ano passado, fomos convidados para tocar no Festival do Silêncio e desafiámos o Miguel Borges para declamar os poemas. Ficámos muito contentes com o resultado e com a aceitação do público. Resolvemos então fazer uma míni-tournée, que inclui a reedição do disco, Entre Nós e as Palavras.
Mas também escreveram temas novos…
Sim, decidimos gravar as músicas novas que temos vindo a fazer. E que, para surpresa nova, deu mesmo um novo álbum. São 13 temas. O disco chama-se Autografia. Numa primeira fase, será vendido apenas nos espetáculos, mas, lá mais para o final do ano, pode ser vendido nas lojas. Trabalhámos com dois poetas que declamam os seus próprios textos: a Adília Lopes e o António Ramos Rosa.
Como isso se constrói ao vivo?
Há três vertentes. A declamação feita pelos próprios poetas, através de uma projeção vídeo. A vertente musical, com alguns temas instrumentais, compostos por mim e o Rodrigo. E a vertente mais próxima do teatro, com o ator a declamar os poemas com a nossa paisagem musical.
Como articulam a música e a poesia?
No primeiro disco, os poemas foram-nos apresentados pelo Manuel Hermínio Monteiro já declamados. Os poetas ao dizerem-nos imprimem uma cadência própria e a partir daí podemos compor. As palavras nos suscitam imagens e melodias. Este segundo disco, além dessa vertente, tem um ator, que trabalha de raiz connosco. Dessa forma, há uma cadência que se encontra entre o poema, o ator e os músicos.
Este segundo dico privilegia o Mário Cesariny?
É de facto um louvor ao Cesariny. A grande maioria dos poemas é da sua autoria. Deve-se à proximidade que tivemos com ele. Mas também há outros, como um poema muito bonito do Al Berto sobre Lisboa.
Há uma diferença de som entre estes dois registos tão espaçados no tempo?
Há alguns elementos novos, mas a paisagem sonora mantém-se quase igual, com o acordeão, as teclas, o violino e o violoncelo. Só não tem a voz do Francisco porque, infelizmente, já morreu. Mantêm-se as características essenciais: é um disco de ensemble acústico.
Recentemente regressou a Sétima Legião, agora Os Poetas, parece que estamos perante ondas revivalistas sucessivas. É isso?
Pode parecer, mas não é verdade. Foi casual. A Sétima Legião voltou por causa dos 30 anos e foi nesse reencontro que eu e o Rodrigo decidimos aceitar o convite do Festival do Silêncio. Voltar a isto com o Rodrigo não terá sido propriamente um revivalismo, mas foi sentir de novo a vontade de compor para poesia, que é algo bastante diferente do que estamos habituados a, que é compor para canções ou para cinema.