As escolhas de Carolina Freitas
Explosions in the Sky Ia ser o dia mais fraquinho do festival. Era a sentença do público, em geral, para o último dia do Primavera Sound. A grande expetativa ia para My Bloody Valentine, a fechar o palco principal. Mas o grande momento chegou antes, ao crepúsculo, com Explosions in the Sky. A banda de Texas mergulhou a multidão nos seus temas instrumentais, nas suas “cathartic mini-symphonies” – como dizem. Espirais de ruído e silêncio, que puseram todos de olhos fechados. Uma catarse coletiva, absolutamente memorável. Nick Cave and The Bad Seeds Como se diz na gíria popular: foi curto e grosso. Em apenas uma hora, os Nick Cave and The Bad Seeds tocaram as canções que todos queriam ouvir – The Mercy Seat, Tupelo, Stagger Lee, From Her to Eternity… -, e mostraram que o novo disco ganha uma outra dimensão ao vivo. Um novo rasgo. Prova disso foram as magníficas interpretações de Jubilee Street e Push the Sky Away. Só apetece citá-los: And some people/ Say it’s just rock’n roll/ Oh, but it gets you/ Right down to your soul. Blur Foi bonito e triste, como uma recaída amorosa. Um concerto feito de grandes êxitos – End of the Century, Parklife, Girls and Boys, The Universal… -, e algumas surpresas, como a belíssima Out of Time (raramente tocada ao vivo) e a recente Under the Westway. Uma autêntica celebração. Mas, no fim, o sabor amargo da despedida. Da incerteza. Não sabemos se os Blur vão acabar de vez ou se farão qualquer coisa com o material recentemente gravado, num estúdio em Hong Kong. Os Blur ainda não se foram embora e já fazem tanta falta. Quem retratá, como eles, a nossa modern life? Titus Andronicus Visceral. Autêntico. No fio da navalha. São palavras possíveis para descrever o concerto de Titus Andronicus. Mas quaisquer que elas sejam, não chegam. Foi qualquer coisa à parte. O punk não só não morreu, como hoje passa, obrigatoriamente, por esta banda de New Jersey. Swans Ou se amou ou se odiou. Ninguém ficou indiferente à atuação dos Swans, que arrastaram o público (aqueles que não fugiram com medo) para uma trip, de quase duas horas, de descarga elétrica tempestuosa. Um maravilhoso pesadelo.
As escolhas de Manuel Halpern
1 – Titus Andronicus
“Esta é a primeira vez que atuamos em Portugal, isto quer dizer que vocês nunca ouviram rock’n’roll”, disse Patrick Stickles pouco depois de subir ao palco do ATP. Mandou umas bocas aos My Bloody Valentine que estavam, na mesma altura, a tocar no palco principal e resumiu: “Bem, fizeram a vossa escolha”. E como prémio ofereceu ao público, não vasto, com um grupo de fãs dedicados, o melhor concerto do festival. Ou, pelo menos, terá sido daqueles em que melhor ficou a ideia de autenticidade e de momento único e irrepetível. Comeu uma banana, fez uma dissertação sobre o bidé e recuperou o mais genuíno espírito do punk. Sobretudo quando, não só se deitou a cantar (ou gritar) elevado pelo público, como continuou a fazê-lo entre a multidão. Como em nenhum outro espetáculo, ficou a ideia que os Titus Andronicus deixaram a pele no palco e até fora dele. Uma imensa descarga de adrenalina, uma autêntica catarse. E no fim disto tudo, com um humor impagável, Stickles sobriamente aproximou-se do microfone e disse: “Espero que tenho gostado, desejo-vos a continuação de um bom fim-de-semana”. E, em vez de se ir embora, ficou para ali a arrumar os cabos.
2 – Nick Cave & the Bad Seeds
Curto, mas intenso, como um bom café expresso. Ou será um copo de aguardente velha, que se bebe de um só trago, mas fica o aroma e o ardor na boca para o resto da semana. Nick Cave proporcionou-nos o momento mais espiritual do Primavera. E quando acabou, uma hora depois, o instinto seria benzer-nos e regressar a casa (não o fizemos, porque ainda havia muitos concertos pela frente). Com os Bad Seeds no seu melhor, Nick Cave, com a sua fatiota e cabelo escorrido pela cabeça, apostou em versões longas de grandes clássicos. Prevaleceu o revivalismo de temas que ultrapassam as fronteiras do tempo como From Her to Eternity, The Mercy Seat, Stagger Lee ou The Weeping Song. Ámen.
3 – Blur
Para os Blur, tudo parece simples: cantam os hits e o público faz o resto. Torna-se inevitavelmente e sem especial esforço um dos grandes momentos do festival. Mas nem por isso facilitaram. Damon Albarn, em grande forma, em estilo simpático e próximo (sempre a puxar as calças para cima), puxou pelo público levando os fãs ao delírio. O reportório, sem grandes surpresas, passou por êxitos de vários álbuns, desde There’s no Other Way do já tão longínquo Leisure, até Boys and Girls com que abriu o concerto, passando por Country House, Park Life ou Beetlebum. Será muito bem-vindo o provável novo disco que celebra a reunião da banda inglesa em estúdio.
4 – Explosions in the Sky
O rock não se faz só de canções. Mas foi arriscada a aposta de colocar os Explosions in the Sky, uma banda post-rock instrumental, no palco principal em ‘horário nobre’. Grande parte do público aderiu ao espírito, sentando-se no chão e preparando-se para uma longa trip musical, sem recorrer necessariamente ao uso de drogas. O Primavera foi por momentos um festival para gente sentada a receber as boas ondas dos devaneios sonoros de guitarras psicadélicas tão bem encaixadas umas nas outras, em busca de uma catarse. A banda do Texas proporcionou a mais hipnótica experiência sonora.
5 – Swans
Não choveu no Optimus Primavera Sound, mas fez trovoada quando os Swans subiram ao palco e proporcionaram a maior descarga elétrica do festival. A banda nova-iorquina esfrangalhou as guitarras e quase rebentou com tarolas e timbalões, levando o público a longos períodos de êxtase, com temas extensos em que o ruído elétrico pós-punk transforma-se em algo bastante mais jazzístico. Michael Gira reinventou a banda, mostrando uma vitalidade invejável. Autênticos mestres da arte do ruído.
As escolhas de Miguel Judas
1 Blur
Foi, como se esperava, o momento celebração do festival, o que se torna fácil quando existem boas canções, como é o caso dos Blur. Com um alinhamento que foi toda uma sucessão de êxitos, cantados do princípio ao fim pelo público, fica para a história a boa forma da banda, personificada na energia adolescente do vocalista Damon Albarn (já com 45 anos) e no improvável guitar-hero Graham Coxon.
2 Nick Cave
Pouco mais de uma hora de concerto, mas mais que suficiente para fazer do regresso de Nick Cave e dos Bad Seeds a Portugal um dos momentos mais altos do festival. Entre os muitos temas do último álbum “Push the sky away”, foram os clássicos que mais entusiasmaram, tal como a presença do (outro) mestre de cerimónias Warren Ellis.
3 The Swans
Igual a si próprio, assim se pode descrever o concerto do grupo liderado por Michael Gira, que faz do rock um espaço de libertação, na melhor tradição jazzística. Um momento único para os amantes dos sons mais transgressores.
4 Dinosaur Jr
É sempre bom ouvir um bom par de clássicos ainda com a luz do sol e, este ano, o prémio melhor concerto de fim de tarde vai direitinho para os veteranos Dinosaur Jr e para a guitarra de J Mascis, um dos mais cool anti-heróis do rock alternativo americano.
5 The Savages
Muitas vezes acusado de anacrónico, o grupo liderado pela cantora francesa Jehnny Bet apresentou um concerto explosivo e visceral, que ficará para a história como um dos momentos mais altos da edição deste ano. Sim, reconhecem-se por lá Pixies, Joy Division, Sonic Youth ou Siouxie and the Banshees, mas que importa isso, quando em palco acontece algo assim?
As escolhas de Pedro Dias de Almeida
1- The Swans
Ou se entra ou se fica à porta. Hipnóticos e intensos, os Swans fazem dos seus concertos uma celebração onde as repetições, as sobreposições, as descargas de eletricidade negra e melancólica são mais importantes do que as palavras de Michael Gira. A banda gira à sua volta, ele é um maestro perfeccionista a organizar, e a fintar, o caos. Leva-nos por abismos,e desfiladeiros mas também nos faz voar. Um bom critério de apreciação de concertos é a vontade que sentimos (ou não) de estar no palco. Ter uma guitarra nas mãos no palco com os The Swans só pode ser uma experiência fantástica.
2 – Nick Cave & the Bad Seeds
Já não pode haver grandes surpresas com Nick Cave – e isso, claro, joga contra ele. As velhas canções que tocou no Primavera (From Her to Eternity, Tupelo, The Mercy Seat…) não podem mesmo ser interpretadas com a intensidade, e o sentido de vertigem e descontrolo, de outros tempos. Mas a entrega é genuína – aquele homem adora o palco e adora sentir-se adulado pelo público – e as canções (como ele próprio disse, sem falsas modéstias, sobre Jack the Ripper) são mesmo “fucking great”. Só tocou uma hora mas privilegiou material antigo (como quase toda a gente desejava…) em detrimento do novo disco Push the Sky Away. A interpretação de Stagger Lee foi esmagadora e memorável. Surpresa, surpresa era se Nick Cave desse um mau espetáculo…
3 – My Bloody Valentine
Gostei muito mas também era possível não gostar nada. Um concerto também é o que fazemos dele. Não é fácil de aceitar aquela parede (muralha) sonora feita de guitarras. Mas se nos deixarmos ir ela leva-nos para sítios… Um festival como o Primavera permite-nos assistir a um concerto como este, não muito longe do palco, deitados na relva a olhar as estrelas, de olhos fechados ou a vislumbrar as cores calidoscópicas do palco… Há melodia na música dos MBV, mas às vezes está tão escondida atrás da tal parede que acreditamos que é uma ilusão criada na nossa cabeça… Há também a melancolia toda de Kevin Shields. A descarga moumental de energia e ruído do final, com os músicos serenamente imóveis no seu lugar, foi qualquer coisa difícil de esquecer.
4 – Explosions in the Sky
Sim, parece mesmo Mogwai. As mesmas guitarras arrastadas, os mesmos crescendos, a mesma dose de experimentação (quando emulamos experiências de outros também estamos a experimentar?), aula prática daquilo a que se convencionou chamar pós-rock. O que lhes falta em originalidade sobra-lhes em competência, e com um som perfeito (quase sempre a qualidade de som foi muito boa no Primavera) conseguiram criar um desses momentos em que tudo parece fazer sentido.
5 – Metz
O palco Pitchfork foi uma (boa) novidade desta edição. Só vi uma parte do concerto dos Metz mas, como esperado, permitiu perceber que a energia selvagem de um rock primordial estava toda ali. Sabe sempre bem encontrar uma banda que parece ter acabado de descobrir as potencialidade de uma guitarra elétrica tocada muito alto. E num festival onde o público parece muito bem comportado (demasiado?) foi bom ver uma tentativa bem sucedida, mas muito fugaz, de invasão de palco… Tem que haver sempre algo de descontrolo, vertigem, risco, num bom concerto de rock (e as imitações, por muito boas que sejam, não chegam). Os Metz conseguem (por enquanto?) convocar essa vertigem.